A urgência para a reforma econômica é o bode na sala, e os repórteres podem mostrar isso

Primeiro, e com sucesso, o governo do presidente da República, Michel Temer (PMDB – SP), vendeu a ideia de que as reformas econômicas propostas, entre elas cortes no orçamento e reestruturação da previdência social, seriam fundamentais para a retomada da economia e, com a ela, a volta do emprego. Depois, com maestria, blindou os seus ministros e a base parlamentar aliada contra as suspeitas do envolvimento em falcatruas denunciadas nas delações premiadas da Operação Lava Jato, por conta da necessidade de aprovar na Câmara Federal e no Senado as reformas. É comum ouvir, ler e ver nos noticiários, logo após a divulgação de uma notícia do conteúdo de uma delação premiada envolvendo alguém do governo em falcatruas, o comentário sobre se irá ou não prejudicar o andamento das reformas econômicas. O jornalista não tem como não fazer esse comentário. E a relevância da retomada do emprego – em um país com 25 milhões de desempregados, quase a população da Argentina – se encarrega de tornar a aprovação das reformas econômicas o centro da notícia. É assim, de escândalo em escândalo, que o governo Temer vai consolidando as suas reformas.
A estratégia do governo é inteligente. Gostaria de fazer uma reflexão com os meus colegas repórteres, principalmente com aqueles que estão começando a profissão, sobre essa estratégia. Ela não nasceu agora. Vamos vasculhar a história. Durante a Guerra do Vietnã (1965 a 1973), as Forças Armadas dos Estados Unidos permitiram que os repórteres tivessem acesso aos campos de batalha. No noticiário da noite, os americanos assistiam seus filhos sendo mortos pelos sul-vietnamitas. Logo se formou um movimento contrário à guerra que teve um papel decisivo na derrota das tropas americanas. O governo americano aprendeu a lição. Na Guerra do Golfo (1990 a 1991), quando os americanos lutaram com as tropas do Iraque, as Forças Armadas dos Estados Unidos não permitiram que os repórteres andassem livres pelos campos de batalha. A cobertura foi feita em coletivas de imprensa, onde os militares mostravam gráficos e desenhos. Daí nasceu a expressão “Guerra Cirúrgica”, onde só os alvos eram atingidos. Mais tarde, graças ao trabalho de repórteres, a verdade veio à tona e mostrou os efeitos colaterais dos bombardeios: centenas de civis mortos. Anos depois, as Forças Armadas dos Estados Unidos venderam para a opinião pública a justificativa que o Iraque tinha armas de destruição em massa para invadir o país. As armas não foram encontradas, e os americanos se enfiaram em mais um atoleiro.
No Brasil, não podemos deixar de esmiuçar para os nossos leitores o perfil dos homens que estão no governo, envolvidos com a Lava Jato, Eles são apontados como necessários para passar as reformas econômicas na Câmara e no Senado. Muitos deles estão fora da cadeia, graças ao fórum privilegiado por serem parlamentares. Eles não são Robin Hood – lendário bandido inglês que roubava dos ricos para dar aos pobres. São pessoas que precisam dar explicações para a Justiça.
Eu sei como é o louco cotidiano de uma redação, fiquei lá 30 e poucos anos como repórter especial. Também sei que o contexto atual tornou o repórter um cara que faz todas as mídias – significa trabalhar que nem um louco. Mas digo o seguinte: o momento é único na história do Brasil. Temas como a reforma da Previdência Social, que mexe com a vida de todo mundo, estão sendo tratados por pessoas que têm as mãos sujas pelo dinheiro alheio. Usando o jargão dos repórteres: Temer está usando a estratégia de colocar o bode na sala. Nós podemos mostrar que o problema não é o bode.

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