Como os repórteres contribuíram com a matança de alunos no Colégio Goyases

Qual a ligação que existe entre estes três fatos?  No início do mês, dia 2, Stephen Paddok, um contador de 64 anos, hospedado no Hotel Mandalay Bay, em Las Vegas (EUA), atirou em 59 pessoas e as matou e feriu outras 527, que assistiam a um festival de música a uns 300 metros da sua janela. Três dias depois, dia 5, Damião Soares dos Santos, um vigilante de 50 anos, trabalhador do Centro Municipal de Educação Infantil onde está instalada a creche Gente Infantil, em Janaúba (MG), entrou em uma sala de aula, chamou as crianças para o seu redor e espalhou álcool no grupo e acendeu um fósforo. Ele, mais 11 crianças e a professora Helley Abreu Batista, 43 anos, morreram queimados. Quinze dias depois, 20, um menino de 14 anos, aluno do 8º ano do Colégio Goyases, em Goiânia (GO), sacou uma pistola .40, da mãe policial militar, e disparou 15 tiros  contra os seus colegas, matando dois e ferindo outros quatro.

Nós, repórteres, precisamos responder essa pergunta aos nossos leitores. Para começo de conversa, não há como saber que uma coisa dessas vai acontecer. Nem mesmo o autor sabe. De uma hora para outra, um mecanismo na mente é acionado, e um 

simples cidadão torna-se um matador. Aprendi isso no cotidiano de 40 anos como repórter investigativo. Em 2011, durante vários meses, estive envolvido na investigação da morte de 12 meninos no interior do Rio Grande do Sul. Eles foram mortos pelo serial killer Adriano da Silva, andarilho paranaense que, na ocasião, tinha 28 anos. Durante a cobertura, eu conversei muito com psiquiatras, psicólogos, policiais especializados na área e pesquisadores e acumulei uma boa bagagem de conhecimentos sobre o assunto, que tenho renovado constantemente. Aprendi que a notoriedade ganha na mídia dos feitos de uma pessoa comum, que de uma hora para outra se torna um matador, é uma das responsáveis pelo surgimento do próximo assassino.

Antes de seguir contando a história. Nós não temos como deixar de dar notoriedade a esse tipo de fato. Isso já acontecia nos tempos em que as notícias levavam meses para chegar aos nossos leitores. Hoje, com a velocidade trazida pela internet, as noticias chegam ao nosso leitor de maneira instantânea. Dentro dessa realidade, o que nós, repórteres, podemos fazer? Uma coisa bem simples, em minha opinião. E que não fizemos logo depois das matanças nos Estados Unidos e em Minas Gerais: alertar as autoridades da existência dessa ligação entre os fatos. Eles  sabem. Mas é sempre bom lembrar.  Vejamos o seguinte: logo depois das mortes em Las Vegas, a possibilidade de acontecer algo semelhante em algum canto do mundo era real. Basta dar uma olhada no que publicamos em casos passados para vermos a cadeia de acontecimentos. Dias depois de quando aconteceu o caso de Minas Gerais, era para termos pautado o assunto nos noticiários. Li, vi e escutei uma boa parte do que publicamos no caso da escola infantil e identifiquei raríssimas referências ao caso de Las Vegas. Alerto aos meus colegas repórteres, principalmente os novatos, que aqui não tem nada a ver com a maneira como as pessoas foram mortas nos Estados Unidos e em Minas Gerais. Mas com o fato de que, nos dois casos, pessoas comuns de uma hora para outra saíram matando.

Aqui cabe uma pergunta. Se, depois do caso de Minas, nós tivéssemos alertado as autoridades, a história de Goiás poderia ser diferente? Ninguém sabe. Mas uma coisa é certa. Nós, repórteres, teríamos demonstrado aos nossos leitores o nosso interesse em informá-los sobre ligações que existem entre acontecimentos, que não são visíveis aos olhos de todo mundo. Mas são visíveis aos olhos do repórter. Sei também que a realidade do cotidiano do repórter nas redações, nos dias atuais, é cruel: os salários são os mais baixos da história, a carga de trabalho é imensa, e a concorrência entre os noticiários é intensa, principalmente nas redes sociais. É fato também que o desmantelamento das redações foi recomendado para os proprietários das grandes redes de comunicação como caminho para salvar os seus negócios. A pergunta que se faz: ao retirar das redações os meios que possibilitavam ao repórter refletir sobre os acontecimentos e, com isso, surpreender o seu leitor, não é um dos motivos da fuga de assinantes e anunciantes e da perda de prestígio dos noticiários?  Isso não é uma especulação. É um fato.

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