O que ocorre quando tragédias como a da Chapecoense e a da Boate Kiss saem das manchetes dos jornais?

Os dias seguintes nas coberturas jornalísticas sobre gran­des tragédias merecem a reflexão das novas gerações de repórteres. A imprensa brasileira tem uma tecnologia e uma dedicação invejáveis na cobertura da hora em que ocorre a tragédia, estamos entre as melhores do mundo. Temos mais um exemplo agora no trabalho em torno da Chapecoense, a equipe catarinense dizimada na queda do avião que a levava para Medellín, na Colômbia. Grandes jornais não poupam recursos para coletar as informações que abastecem todas as suas plataformas de notícias – sites, blogs, jornais, rádios, TVs e outras mídias.
É normal que o passar dos dias reduza o fôlego da cobertura. Aqui está o ponto em que proponho a reflexão aos jovens repórteres. Não é normal que se perca o fôlego na apuração sobre os responsáveis pela tragédia. A persistência na busca pelos culpados é uma obrigação do jornal para com os seus leitores. A mídia é o mais eficaz instrumento à disposição da comunidade para se evitar que os casos fiquem emperrados nas gavetas dos tribunais. Temos o exemplo da Boate Kiss, com o incêndio que matou 242 pessoas e feriu outras 680, a maioria de universitários, na madrugada de 27 de janeiro de 2013, em Santa Maria. No Brasil, é a segunda maior tragédia em número de vítimas em um incêndio, sendo superada apenas pelo sinistro no Gran Circus Norte-Americano, ocorrido em 1961, em Niterói, que vitimou 503 pessoas. O inquérito policial que deu origem ao processo da Boate Kiss é recheado de provas testemunhais, técnicas e dados coletados. A investigação da Polícia Civil apontou quatro pessoas como responsáveis pela tragédia, as quais aguardam julgamento em liberdade, o que é considerado uma afronta pelos familiares das vítimas e pela comunidade.
O processo Kiss se arrasta nos tribunais. E há o absurdo de pais das vítimas estarem sendo processados pelo Ministério Público. A lentidão, e os fatos exóticos que se sucedem, são apontados pela sociedade como resultado da postura de grandes jornais, que teriam virado as costas para o caso. Como repórter que viveu 40 anos em Redação e andando pelos sertões à procura de boas histórias, sei que o espaço nos noticiários é disputado de maneira ferrenha. E que sempre vence o fato mais relevante de hoje. Também sei que a comunidade sempre é muito grata ao repórter que se notabiliza em não deixar de fora dos noticiários a busca pelos culpados. Tenho lido trabalhos acadêmicos sobre a decadência econômica das grandes empresas de mídia. Como repórter, digo que virar as costas para um caso do calibre da Kiss se perfila entre os que afugentam assinantes e anunciantes. Os jovens repórteres devem refletir sobre os dias seguintes na cobertura de tragédias.

Deixe uma resposta