Por que nós, repórteres, causamos o efeito manada nos supermercados e nos postos de combustíveis?

A falta de conhecimento dos repórteres para identificar quem é quem no movimento grevista acabou transformando hipóteses em verdades e incentivo a corrida ao comércio. Foto: arquivo pessoal

A grande revelação da greve dos caminhoneiros foi que nós, repórteres,  não entendemos como eles se organizam e quem é quem no movimento. Por conta desse desconhecimento, ficamos reféns das avaliações dos tecnocratas do governo, dos relatos feitos pelos piquetes e sindicalistas de papel – aqueles que não representam ninguém, mas dirigem uma entidade com um nome pomposo. O resultado disso é que fornecemos aos nossos leitores informações imprecisas, justamente no momento em que ele precisa saber o que está acontecendo para se organizar. Esse erro que cometemos é um dos motivos da crise de credibilidade da imprensa.

Por que nós, repórteres, não nos interessamos em desvendar o funcionamento da organização dos caminhoneiros? A resposta é curta: comodismo. Vou fazer um relato. Trabalhei em redação de 1979 até 2014, portanto são 35 anos dos meus 67 de vida. Nos últimos quatros anos, eu estou ajudando na formação de novos repórteres e discutindo questões sobre reportagens com os velhos reporteiros espalhados pelo mundo. E, por conta dessa minha nova rotina, eu acompanhei a greve do outro lado do balcão: como consumidor de notícias. Confesso para os meus colegas que bateu o horror. Ver o comentário de piqueteiro virar manchete. Suspeitas idiotas ditas pelo governo serem discutidas como verdades absolutas por nós, uma delas ditas pelo ministro extraordinário da Segurança Pública, Raul Jungmann, 66 anos, político experiente (era do PCB) e administrador público calejado. O governo afirmou que havia descoberto que tinha empresários dando apoio logístico para os caminhoneiros. Qual é a novidade? Em todas as greves de caminhoneiros, eu trabalhei em várias, os empresários estavam no meio. Aqui é o seguinte: há empresários e empresários no ramo do transporte. A maioria é dona de dois ou três caminhões. Nós precisávamos perguntar ao ministro de que tipo de empresário ele estava falando.

Saber quem é quem no movimento grevista é importante para o repórter. Esse conhecimento o ajuda. Sou especializado em conflitos agrários, sei quem é quem nas organizações que atuam no setor, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Esse conhecimento contribuiu para a minha credibilidade como repórter, porque consigo avaliar quando a liderança está blefando ou falando a verdade. Também sei quem é quem entre as organizações criminosas que atuam nas fronteiras do Brasil, principalmente na com o Paraguai, vinculadas ao Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro. Lembro o seguinte.  As primeiras notícias sobre falta de alimentos nos supermercados e combustíveis nos postos saíram da boca dos piqueteiros. O resto ficou por nossa conta. A maneira como noticiamos o assunto causou na população o chamado “efeito manada”: o povo correu todo para os supermercados e os postos de gasolina. Deu no que deu. Porque isso não aconteceu nas outras greves? Simples. É a primeira greve de caminhoneiros em que uma ferramenta de comunicação grátis está disponível na palma da mão: o WhatsApp.

No dia seguinte ao acordo para colocar fim à greve, feito pelo governo com os grevistas, logo cedo, ouvi um piqueteiro dizer uma coisa: a greve continua, porque eles não nos representam.  Gelei e me perguntei. Mas, afinal de contas, quem eram aqueles caras que negociaram com o governo? Me veio uma lembrança na cabeça. Em 2012, eu e o repórter Carlos Etchichury fizemos uma reportagem investigativa sobre corrupção nos sindicatos e nas centrais sindicais. Um dos crimes praticados era o aproveitamento das leis por sindicalistas para montar sindicatos e centrais que só existiam para homologar rescisões de contrato de trabalho e receber dinheiro do governo, eram os chamados “sindicatos de papel”. Pensei: será que os sindicalistas que negociaram eram de papel? Com ansiedade, assisti, ouvi e li tudo o que havia sido publicado sobre a negociação. Não encontrei nada sobre quem eram afinal os negociadores.

Nós também não fizemos uma avaliação correta da administração de Pedro Parente, 65 anos, na presidência da Petrobrás. Até porque ele tem um trânsito muito bom entre os jornalistas por conta de sempre estar disponível para falar com os repórteres. Mas ele cometeu um erro estratégico na administração da empresa que causou um prejuízo milionário para os acionistas, uma perda bilionária para a economia nacional, que foi encurralada pelos grevistas, deu o tiro de misericórdia na já moribunda administrado do presidente da República, Michel Temer (MDB – SP), e revelou que nós, repórteres, não entendemos nada sobre a organização dos caminhoneiros.

O erro estratégico cometido por Parente foi ter enfiado goela abaixo dos brasileiros o atrelamento aos mercados internacionais dos preços dos combustíveis, que resultou em variações de preços diárias. Até então, a Petrobras arcava com os prejuízos da defasagem entre os preços interno e externo. Na teoria dele, os preços iriam oscilar nas bombas.  Oscilaram: mas só para cima. Ele desprezou, ou não sabia, que os postos de combustíveis  operam em cartéis que controlam os preços. A maneira como ele rompeu com essa tradição  foi como se tivesse atravessado uma rua de mão simples, olhando apenas para um dos lados. Foi atropelado pela greve dos caminhoneiros que vinha do outro lado. No início, a greve ganhou a simpatia popular, porque ninguém mais suporta ganhar o seu salário em reais e pagar o combustível em dólar, principalmente o gás de cozinha. O apoio popular acabou quando secou a gasolina nos postos de combustíveis.

O governo do presidente Temer cometeu dois erros. O primeiro foi não ter feito uma avaliação correta que a proposta de reajustes dos preços de Parente não podia ser enfiada goela abaixo dos brasileiros. Temer é um político experiente, e as pessoas que o cercam, como o ministro Eliseu Padilha, são administradores calejados. Portanto, deveria ter visto que este tipo de mudança precisa ter a sua implantação discutida, planejada e feita de maneira correta. Deixaram a decisão para o Parente, e deu no que deu. O próximo grande rolo que vai acontecer é com preço do gás de cozinha.  Nós, repórteres, temos conhecimento para não escrever bobagens sobre como se organiza o comércio de gás e quem é quem nas entidades que representam o setor?  Não temos.

7 thoughts on “Por que nós, repórteres, causamos o efeito manada nos supermercados e nos postos de combustíveis?

  1. Repórter tem que ser repórter. Tirar a bunda da cadeira e abrir os horizontes para além dos releases. Disseram que houve desabastecimento nos supermercados da capital, o que não é verdade, mas soou verdadeiro, porque os repórteres foram direto ao Zaffari, e apenas nas lojas da rede, anunciante protagonista em todas as emissoras.

    1. Caco vou te dizer uma coisa. Li, em algum lugar, um negócio que falava que os estrategistas em espalhar em tornar boatos em verdade sempre levam em conta o comodismo dos jornalistas na coleta de dados para transformar mentiras em verdade.

  2. Ufa! Enfim espaço para discutir sobre jornalismo e não achismos. Sobre a Petrobrás, tenho lido que as refinarias brasileiras estão com 40% de ociosidade. Isto não é uma matéria quente nesses dias para nossos gloriosos repórteres?
    Outra: quem é o “rosto” da classe dos caminhoneiros ou viramos todos anônimos? Por que a imprensa não tentou encontrar quem de fato poderia falar pela classe?

    1. Sobre a imprensa. Nós, repórteres desconhecemos como os caminhoneiros se organizam. Daí ficamos ouvindo e dando voz a pessoas sem representatividade. Só podia dar merca, como se fala na redação.

    2. Desculpa a demora em responder. Sobre a Petrobra: a imprensa realmente deve ao brasileiros uma reportagem decente sobre a empresa, que vem sofrendo uma ataque o cappital internacional como nunca antes tinha acontecido. Um dos motivos da fuga dos assinantes dos jornais é justamente a falta de reportagens como a que citei. O rosto da classe caminhoneiros: eu, e os meus colegas repórteres, vendemos para a opinião pública a imagem de um cara herói. Só não falamos que ele é trabalhador que precisa alimentar a sua família e ter um tratamento digno. Daí que quando acontece a revolta deles não soubemos com que estamos lidando.

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