Quem garante a qualidade nas construções de estradas, pontes e hidroelétricas e a dos alimentos feitos pelas empresas envolvidas no pagamento de propina a políticos e fiscais?

Usina Jirau, rio Madeira. Foto: EBN

Há inquietantes perguntas que ainda não foram respondidas pelas investigações que apuram os escândalos de corrupção envolvendo grandes empresas, parlamentares, funcionários públicos, ministros e até o atual presidente da República, Michel Temer (PMDB – SP). O envolvimento em casos de corrupção afetou a qualidade das obras feitas pelas construtoras, dos alimentos produzidos pelas indústrias de proteínas (animal e vegetal), dos combustíveis da Petrobras e das prestadoras de serviços médicos e hospitalares e de projetos de infraestrutura?

Temos que responder essas perguntas aos nossos leitores. Nos últimos dois anos, eu tenho lido atentamente as delações feitas por empresários, executivos, parlamentares e ex-ministros ao Judiciário. Tenho lido os pedidos de mandados de busca e apreensão e de prisão (temporária e preventiva) e os relatórios de conclusão de investigação feitos pelos delegados federais responsáveis pelas investigações dos casos de corrupção. Tenho lido as sentenças dos juízes federais da Operação Lava Jato, Sérgio Moro (PR), e Marcelo Bretas (RJ). Assisti a maioria dos debates dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamentos de casos de corrupção. Em tudo que li, vi e escutei, a lógica da investigação é seguir o rastro deixado pelo dinheiro. A questão da qualidade do produto não é questionada. Se fosse, a investigação se tornaria inviável, tal é o volume de informações que seria necessário levantar.

Mas, para a segurança do usuário, é fundamental que a qualidade dos produtos entregues pelas empresas envolvidas em corrupção seja questionada. E aqui entra o nosso trabalho, a apuração do repórter. Vejamos o caso da construtora Odebrecht , que tinha um departamento especializado só em pagar propina, que foi descoberto pela investigação da força-tarefa da Operação Lava Jato. O sistema usado pela empresa para conseguir o dinheiro da propina era simples: superfaturamento das obras e formação de cartel na disputa das grandes concorrências públicas. Mas quem garante que a qualidade e a quantidade dos materiais usados pela empresa na construção de estradas, asfaltos, hidrelétricas, prédios e pontes?  A Odebrecht e outras quatro empreiteiras envolvidas em corrupção são responsáveis pelas grandes obras do país nas últimas duas décadas, incluindo projetos e execuções no setor da energia nuclear.

No setor de alimentos, no grande caso do Grupo JBS, considerado o maior conglomerado de empresas produtoras de proteínas animal e vegetal. Na delação para a Operação Lava Jato de um dos donos da JBS,  Joesley Batista, que cumpre prisão preventiva, ele afirmou que pagou propina a mais de uma centena de parlamentares, incluindo o presidente Temer.  O dinheiro usado para pagar as propinas vinha dos empréstimos dos bancos do governo. conseguidos pelo grupo, que eram desviados. Mas quem afirma que eles também não tiravam dinheiro diminuindo a qualidade dos seus produtos?  Em março, a Operação Carne Fraca, da Polícia Federal (PF), comandada pelo delegado Maurício Moscardi Grillo, encontrou irregularidades em várias empresas do setor de alimentos. Graças à imperícia do delegado, a Carne Fraca acabou perdendo credibilidade por ter generalizado a situação. O fracasso da operação custou ao consumidor brasileiro a grande chance de saber se o JBS comprometeu a qualidade dos seus produtos para pagar propina.

Se a Carne Fraca tivesse sido bem conduzida, ela teria se tornado tão importante para os brasileiros como é hoje a Lava Jato, porque iria aprofundar a investigação no setor de alimentos, que guarda muitos segredos. Dois exemplos. No Rio Grande do Sul, o promotor criminal Mauro Rockenbach já está na 12ª fase da Operação Leite Compem$ado, que apura falsificação de queijos, leite e outros derivados. Uma das razões da longevidade dessa operação são os lucros conseguidos pela fraude: se uma carga de 30 mil litros de leite for fraudada com 5 mil litros de água e soda cáustica, o lucro deixado é enorme. Trabalhei em várias reportagens sobre a operação. E a conclusão a que cheguei é que os fraudadores têm uma fantástica capacidade de inventarem maneiras de cometer crimes – há farto material disponível na internet. Também fiz várias reportagens sobre carne clandestina. É um universo de sacanagem. Imagine o seguinte: se isso acontece no Rio Grande do Sul, um dos estados mais organizados  da União, imagine nos outros ?

Esse é o quadro. As autoridades estão seguindo o rastro do dinheiro. Nós precisamos seguir o rastro da qualidade das obras e dos alimentos produzidos pelas empresas investigadas. Lembro o seguinte: uma das leis brasileiras chama de dolo eventual quando se pratica uma ação sem a intenção de matar alguém. Mas acaba matando, tipo dirigir bêbado. Temos que responder ao nosso leitor se os investigados que diminuíram a qualidade dos seus produtos para pagar a propina não podem ser enquadrados no dolo eventual. É um assunto que temos que esclarecer.

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