Repórteres, por onde andavam os órgãos de fiscalização enquanto o Brasil era pilhado?

Há uma pergunta que não quer calar. E cabe aos repórteres não deixar que se cale. Frente à enxurrada de relatos, feitos nas deleções premiadas dos ex-executivos da empreiteira Odebrecht, de como eram corrompidos os parlamentares. É de se perguntar: como tudo aconteceu sem ser notado pelos órgãos de fiscalização: Tribunal de Conta da União (TCU), serviço de inteligência da Polícia Federal (PF), corregedores das empresas estatais, fiscais de obras públicas e, principalmente, Controle de Atividades Financeiras (COAF) e o sempre vigilante Imposto de Renda (IR)?
Antes de seguir adiante, quero refletir com meus colegas repórteres, especialmente com os novatos, o seguinte: todos esses órgãos citados têm um corpo de funcionários de alta qualificação técnica, constantemente treinados e bem pagos. Portanto, alguma coisa aconteceu para toda essa sacanagem ter acontecido como se não houvesse goleiro. Na busca de pistas para entender, eu recordo de um episódio que aconteceu durante o processo de impeachment da então presidente da República, Dilma Rousseff (PT – RS), em 2016, um ano que ainda não terminou. Tecnicamente, Dilma perdeu o cargo porque os auditores do TCU conseguiram mostrar que ela havia feito as chamadas “pedaladas fiscais” – empréstimos dos bancos oficiais para tapar furos no caixa do governo. Na ocasião, repórteres americanos, que trabalhavam na cobertura do impeachment, falaram que a imprensa brasileira era superficial. Na ocasião, interpretei a indignação dos colegas americanos como uma reclamação pela falta de contextualização que existia na maioria das reportagens publicadas, principalmente as referentes à conspiração contra Dilma do grupo político do então vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB – SP).
Eu fiz essa avaliação baseada na minha experiência de coberturas de conflitos, das quais participei nos meus 40 anos de reportagem investigativa. A rotina é o repórter chegar ao local do “rolo”, usando o jargão das redações, e se contextualizar dos bastidores dos acontecimentos, lendo, ouvido e assistindo os noticiários da região. E, sempre que se encontra uma boa cobertura local, facilita a vida do repórter. A minha avaliação do mau humor dos repórteres americanos foi parcial. Lembro o seguinte. Muito embora a maioria das delações premiadas da Odebrecht estar sendo negociada com a força-tarefa da Lava Jato, o que assistimos hoje já era do conhecimento de grande parte da imprensa nacional. O ex-presidente da empresa Emílio Odebrecht foi muito minucioso e contundente a esse respeito durante um dos seus depoimentos na Lava Jato, ao afirmar que toda a imprensa já sabia o que acontecia –há vídeos na internet.
Eu concordo com Emílio Odebrecht. Dentro dessa lógica, acredito que os órgãos de fiscalização devem ter pilhas de informações nos seus arquivos sobre o que acontecia bem debaixo do nariz dos brasileiros. E as informações não vieram a público porque os repórteres não bateram, com a devida força, à porta de quem tem o dever de fiscalizar, como o COAF, que acompanha a movimentação financeira do país. É nossa obrigação explicar aos nossos leitores o motivo pelo qual os órgãos de fiscalização não funcionaram. Se tivessem funcionado, eu creio que a história do país hoje seria outra. As nossas cidades não seriam um cemitério de obras inacabadas e por onde perambulam 13 milhões de desempregados. O pessoal da fiscalização tem de explicar o que estava fazendo enquanto acontecia toda essa lambança – termo usado no jargão das delegacias de polícia para definir crimes ruidosos.

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