Repórteres, temos que explicar ao nosso leitor como funciona o cartel dos postos de combustíveis

Em nenhum outro momento da história do Brasil, com a inflação controlada, os preços dos combustíveis na bomba dos postos oscilaram tanto quanto nos dias atuais. A oscilação se deve à política da Petrobras, que segue os preços do mercado internacional do petróleo, que, dependendo de uma série de fatores, sobem e descem diariamente. Por via de regra, os postos só repassam para o consumidor as subidas nos preços.

A gritaria do consumidor com essa situação tornou o assunto “preço dos combustíveis” uma presença obrigatória nos noticiários diários e assunto forte nas redes sociais. A explicação tem sido sempre a mesma: a Petrobras empurra o abacaxi para os postos de combustíveis, e o comércio varejista devolve para a estatal. Existe um terceiro personagem envolvido nessa briga? Em 40 anos como repórter, sempre ouvi falar da existência de um cartel que controla os preços dos combustíveis na bomba. E, de tempos em tempos, os grandes jornais publicam reportagens sobre o assunto. No Rio Grande do Sul, no início dos anos 2000, Zero Hora publicou várias e importantes matérias a respeito da falsificação de gasolina e da cartelização dos preços. Existiram também investigações do Ministério Público (MP – RS) e da Polícia Civil sobre os cartéis. Houve prisões de donos de postos em Santa Maria e Caxias do Sul.  Nos outros grandes jornais do Brasil, também existem dezenas de reportagens publicadas sobre a existência de cartel de preço dos combustíveis. Aqui, chamo a atenção dos meus colegas repórteres, principalmente dos novatos. Existe um fato comum que acontece na investigação, seja ela jornalística ou policial, sobre a ação de cartéis nos preços dos combustíveis: elas chegam a um beco sem saída. A única evidência que se tem é o preço do litro da gasolina praticamente igual no comércio varejista.

Como isso acontece? Eu vejo uma grande oportunidade para os jovens repórteres ganharem um lugar ao sol esmiuçando esse assunto. Vejamos o seguinte. Nos anos 80 e 90 e até 2010, a tecnologia disponível para o repórter rastrear os assuntos era cara, demorada e de difícil acesso. O barateamento do uso da internet mudou tudo. Hoje, com um celular na mão, nós podemos rastrear vários assuntos. Por exemplo, há uns cinco anos, eu perambulei durante uma semana pela Região Metropolitana de Porto Alegre, fazendo uma reportagem sobre uma onda de assaltos a postos de combustíveis, um assunto que me facilitou o acesso aos empresários do setor por ser do interesse deles. Entrevistei muita gente: donos de redes de postos, frentistas e atacadistas de combustíveis. No final da entrevista, depois de guardar o bloco de anotações e desligar o gravador, de uma maneira sutil, colocava o assunto sobre a cartelização dos preços dos combustíveis na bomba. Aqui, eu quero fazer uma observação para os repórteres novatos. A conversa que acontece depois da entrevista é off. E é quando temos a oportunidade de ficarmos sabendo o que realmente está acontecendo. Dificilmente um entrevistado vai contar tudo em on. Principalmente se ele viver na zona limite entre a legalidade e a ilegalidade. Também há outra coisa que deve ser observada. Muitas dos entrevistados usam esse tipo de conversa em off  para saber o pensamento do repórter sobre diversos assuntos, geralmente comprometedores. Já vi repórter ser grampeado em entrevista – gravada durante a conversa em off – e depois acabar enfrentando grandes dificuldades devido às bobagens que falou.

O meu interesse no off com o pessoal dos postos de combustível foi o de organizar uma pauta sobre o cartel. Um deles, proprietário de oito postos em Porto Alegre, contou uma história interessante. Ele disse que estava com dificuldade de caixa e, então, resolveu baixar o preço da gasolina para “fazer dinheiro”. Para surpresa dele, dois dos seus oito gerentes de postos receberam ligações fazendo “sugesta” – termo usado por bandido para avisar que alguma coisa de ruim pode acontecer. Claro, a promoção de gasolina acabou no dia seguinte porque ele fazia parte do cartel e sabia como funcionava. Também conversei com um executivo de uma grande rede de postos. Ele foi muito objetivo. Disse que todos sabem que é preciso “dançar conforme a música”, mesmo que tenha condições de fazer preços menores. Citou o caso de um dos postos da rede, no interior, que fez um promoção de óleo diesel e acabou tendo problemas com vizinhos reclamando do cheiro de combustível. Também conversei com um frentista que havia sido demitido de um posto, em Porto Alegre. Procurei-o a pedido de seus ex-colegas de trabalho. Ele me contou que, um dia, havia feito um comentário com o gerente sobre uma conversa que havia ouvido do dono do posto ao telefone sobre o preço da gasolina com um  dos seus concorrentes. Ao ser demitido, ele ouviu do seu ex-patrão:

— O jacaré não entrou no céu porque tem boca grande, sabia?

No momento atual, os postos de combustíveis estão nos noticiários e nas redes sociais devido aos reajustes mal explicados. Para nós, repórteres, é uma oportunidade de aprofundarmos o assunto sobre o cartel, uma organização que não tem rosto, mas existe de fato. Em caso de dúvida: como explicar os preços parecidos da gasolina? E uma das maneiras de fazermos isso é uma aliança entre os repórteres novatos, que entendem tudo das novas tecnologias, e os velhos que desenvolveram técnicas de investigação. Acredito que essa aliança nos dá uma grande chance de avançarmos no assunto, como jamais foi feito antes. Se conseguirmos isso, o nosso leitor irá agradecer, conservando a sua assinatura no jornal.

Deixe uma resposta