Até quando a ameaça de golpe militar vai ser uma barganha na política no Brasil?

O ministro Braga Netto (esq) é acusado de ter blefado contra os parlamentares a respeito realização das eleições de 2022. Foto: Reprodução

As Forças Armadas do Brasil não têm condições materiais, políticas e muito menos apoio popular para dar um golpe de Estado em 2022, como fizeram em 1964. Nesses últimos 57 anos, o país se tornou grande demais para ser colocado de joelhos pelos militares ou qualquer outro grupo armado. Mas então? Por que a história do golpe assusta tanto as redações dos jornais toda vez que o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, e os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica mandam recados para a população civil de que podem intervir? Sobre isso que vamos conversar.

Primeiro uma explicação para quem não é jornalista. Em qualquer canto do mundo onde exista uma redação de jornal é por ali que todos os acontecimentos do dia a dia da população desfilam e muitos deles vão parar nas páginas dos jornais. A atual geração de repórteres brasileiros vive um dos momentos mais tensos no seu trabalho de fazer os noticiários diários. Por quê? Simples. Os brasileiros estão caminhando a passos muito lentos de volta à normalidade em suas vidas no meio de uma pandemia causada pela Covid-19, que já matou 535 mil pessoas e ainda mata mais de mil por dia no país. Desde que a pandemia chegou ao Brasil, em 2020, trazida pelos viajantes que desembarcaram nos aeroportos, o desemprego, que já era grande, com mais 12 milhões de desempregados na ocasião, se agravou e hoje somam quase 20 milhões com o desaparecimento de milhares de pequenos negócios. Um quadro exato do que aconteceu no ano passado está sendo montado pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19, a CPI da Covid. A CPI está mostrando que a desgraça causada pela pandemia, como a falta de oxigênio hospitalar em Manaus (AM) e em cidades do interior do Pará, que matou centenas de pacientes por asfixia nos hospitais, e outros absurdos que aconteceram têm as digitais do ex-ministro da Saúde e general da ativa do Exército Eduardo Pazuello, que transformou o negacionismo de Bolsonaro em relação ao poder de contágio e letalidade da Covid em política de governo.

Agora voltando a contar a história. No meio de toda essa confusão causada pela Covid, os repórteres precisaram pisar no freio na sua correria do dia a dia do principal assunto, que são os danos causados pelo vírus, para dar atenção à ameaça de golpe militar, porque ela vem da autoridade máxima do país, o presidente da República. Claro que a história vai parar nas manchetes e a notícia que importa será empurrada para um canto da página do noticiário dos jornais (papel e site), rádios, TVs (abertas e assinatura) e outras plataformas de comunicação. Hoje, os jovens repórteres são a grande maioria nas redações e vão precisar consultar o “tio Google” para saber exatamente o que foi o golpe militar de 1964. Na semana passada, recebi uma ligação de um colega que conheci na redação em 2014. Ele perguntou: “Vô, vai ter golpe?” Respondi para ele: “Imagina alguém entrando na redação correndo e gritando que há um dinossauro vivo caminhando pelas avenidas da cidade?” Acrescentei: “É mais ou menos isso”. Mas uma explicação que considero importante. Eu tenho 70 anos de idade, trabalhei em redação de 1979 a 2014 e o meu apelido entre os jovens repórteres era Vô. Voltando à história da ameaça de golpe militar. Todo repórter da minha geração tem uma história de horror para contar sobre o período que os militares governaram o Brasil. Colegas perderam os seus empregos. Foram presos, torturados, mortos e muitos expulsos do país. Há livros, documentários, processos nos arquivos da Justiça e uma imensidão de informações sobre o que aconteceu. Disse no início da nossa conversa que o Brasil é um país grande demais para se curvar à tentativa de tomada do poder pela força. Imagine uma coluna de tanques na Avenida Paulista, na cidade de São Paulo, o centro financeiro do Brasil? Vão causar um engarrafamento no trânsito e virar atração turística. É o tal do dinossauro que falei. Imagine em Sorriso, importante cidade agrícola do interior do Mato Grosso povoada por gaúchos nos anos 70 e hoje um dos pilares do agronegócio, uma esquadrilha da Força Aérea Brasileira (FAB) de caças Tucano dando voos rasantes. Os agricultores vão pensar que é uma demonstração da Esquadrilha da Fumaça ou aviões agrícolas.

Arrematando a nossa conversa. O presidente Bolsonaro e os generais da ativa e da reserva que o apoiam no delírio da história do golpe militar estão blefando. Se tentarem qualquer coisa vão acabar presos. A única coisa concreta que eles têm na mão é que, sempre que fazem uma ameaça de golpe, conseguem os espaços nobres nos noticiários. E acredito que esse blefe vai começar a perder espaço nos noticiários ao natural. É uma questão de tempo. Conversei sobre o blefe do golpe com um colega americano, que conheci nos anos 80 na cobertura de conflitos agrários. Lembramos que existe entre nós jornalistas o que chamamos de “memória”, que são aqueles colegas que viveram na época da Ditadura Militar. Sempre que alguém insinua tomar o poder pela força, toca uma campainha de alerta na nossa cabeça e por conta disso acabamos contribuindo de maneira involuntária para espalhar o blefe. Ele me lembrou que nos Estados Unidos a Guerra do Vietnã (1965 a 1973) deixou uma “memória” forte entre os velhos repórteres. Lembro que muitas vezes usei nos textos uma citação de jornalistas americanos sobre o conflito. Ela diz que quando os caixões com os mortos na guerra começaram a aparecer no noticiário nobre das TVs as pessoas começam a se conscientizar do absurdo da situação. Nos dias atuais, no Brasil, a Covid mata mais de mil pessoas por dia. Os caixões com as vítimas da pandemia estão nos noticiários desde 2020. O que o presidente Bolsonaro e os seus generais, da ativa e reserva, precisam explicar é como chegamos a essa situação. O resto será decidido nas eleições de 2022. Pelo que sei, os dinossauros só ressuscitaram no filme Jurassic Park, do diretor Steven Spielberg.

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