Lambanças nas prévias do PSDB tiraram Lula, Moro e Bolsonaro das manchetes

Doria, Arthur e Leite e as confusões da prévia. Foto: Reprodução

O lado bom da lambança nas prévias para a escolha do candidato do PSDB a presidente da República, no domingo passado (21/11). Ocupou o espaço nobre nos noticiários que vinha sendo dedicado às andanças do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP) pela Europa, às conversas do ex-juiz federal Sergio Moro (Podemos) e aos disparos contra todos que considera seus inimigos por parte do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Todos eles concorrentes do candidato que será escolhido pelo PSDB para a disputa presidencial em 2022. Como isso aconteceu? Não creio que tenha sido planejado, porque é muito complexa a série de acontecimentos que resultaram no fracasso das prévias. A série de acontecimentos parece ser aquelas explicações que os peritos dão quando cai um avião. Nunca é um problema só. Mas muitos deles, que somados resultaram na tragédia. Vamos aos fatos. Concorrem a vaga de candidato a presidente: João Doria (63 anos), governador de São Paulo, Eduardo Leite (36), governador do Rio Grande do Sul, e o ex-prefeito de Manaus (AM) Arthur Virgílio (77). Oficialmente, toda a confusão aconteceu porque houve uma pane no aplicativo usado para a votação, que foi desenvolvido pela Fundação de Apoio à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faurgs).

Apenas 8% das 44 mil pessoas do colégio eleitoral conseguiram votar. O foco da cobertura da imprensa começou pela incredulidade dos colegas de que um acontecimento de grande envergadura política como as prévias do PSDB, no qual foram gastos alguns milhões de reais, tivesse naufragado devido ao mau funcionamento de um aplicativo. A pergunta que os colegas fizeram. Como a cúpula do partido deixou isso acontecer? Afinal, o PSDB governou o país durante oito anos depois que economistas ligados ao partido criaram o bem-sucedido Plano Real, durante o governo Itamar Franco, que afastou a hiperinflação que atormentou os brasileiros durante anos e criou as condições para que o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, assegurasse dois mandatos como presidente da República. Mas aconteceu e os técnicos da Faurgs estão averiguando o que houve. Essa linha da cobertura dos jornais não prosperou porque logo a seguir a atenção foi desviada pelo chumbo grosso disparado entre os candidatos. Doria se associou a Arthur Virgílio contra Eduardo Leite. Houve bate-boca entre eles e vazamentos para a imprensa de insinuações de que o governador gaúcho tinha alguma coisa a ver com o mau funcionamento do aplicativo porque a Faurgs é do Rio Grande do Sul. Os jornalistas não deram bola para o vazamento. Havia coisa mais interessante para noticiar: o racha entre os candidatos. Durante uma boa parte da semana os comentaristas políticos bateram no tal “racha no ninho dos tucanos”. Só para constar. Não existe partido político nos países democráticos que não seja dividido internamente em grupos que disputam o poder. Isso sempre existiu. É do jogo.

O fato é o seguinte. Toda essa conversa acabou ocupando espaços nobres dos noticiários. Vejam bem, colegas. Se as prévias do PSDB tivessem transcorrido dentro da normalidade, hoje (quinta-feira 25/11)), salvo algum ranço de colunistas políticos, o candidato do partido seria mais um entre os que disputarão as eleições presidenciais de 2022. Em vez disso ainda estamos batendo na questão das prévias. Há várias versões para o que pode ter acontecido, uma delas menciona a ação de hackers. Seja lá qual for o resultado das prévias, quando elas acontecerem, o fato é que o PSDB ocupou um espaço importante na imprensa, graças às lambanças da semana passada. É assim que a imprensa funciona em todos os cantos do mundo. Mesmo os jornalistas mais carrancudos sabem que precisam explicar o que aconteceu, porque o assunto interessa ao leitor. Mesmo que tenha consciência de que a pauta está sendo espichada por interesse dos envolvidos de ficarem na vitrine. Faz parte do jogo. O PSDB vai disputar com Moro a condição de ser a “terceira via”, como a imprensa definiu e tenta vender para os leitores a ideia de que é necessário para o bem do Brasil eleger um candidato do centro entre Bolsonaro e Lula. Moro, que entrou na campanha recentemente ao se filiar ao Podemos, começou com passos muito firmes a sua caminhada rumo à terceira via. Pesquisas têm mostrado que o ex-juiz tem tirado votos do presidente da República. A bandeira de Moro é a sua atuação na Operação Lava Jato, que por muito tempo foi apontada como símbolo da luta contra a corrupção no Brasil. A Lava Jato foi implodida pelos excessos cometidos pelo ex-juiz, por procuradores da República e por agentes da Polícia Federal (PF) – há matérias na internet.

O PSDB tem várias bandeiras. Mas a mais popular tem um dono: Doria. Foi ele quem enfrentou Bolsonaro e enfiou garganta abaixo do governo federal a vacina Coronavac, produzida em parceria entre o Instituto Butantan e farmacêutica chinesa Sinovac. A história toda é contada pelo relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 do Senado, a CPI da Covid, que encontrou as digitais do presidente da República nas mais de 600 mil mortes causadas pelo vírus no Brasil. E das cenas de puro terror da morte de pessoas asfixiadas por falta de oxigênio nos hospitais de Manaus (AM) e de cidades do interior do Pará. Se Doria não for o eleito na prévia, quem ganhar terá que negociar com ele a bandeira da vacina. Mais aí será outro capítulo do “ninho dos tucanos”. Arrematando a nossa conversa. Os estrategistas de comunicação que fazem parte das equipes dos candidatos são especializados em “vender o ouro dos bobos” para nós jornalistas. Faz parte do jogo. Hoje as redações estão cheias de jovens profissionais superatarefados e sem tempo de investir em apuração. Vítimas perfeitas para os estrategistas de campanhas políticas. Não por serem jovens. Mas por não terem tempo e meios para checar as informações. Dentro de uma disputa política, por mais inocente que seja a informação, pode ser um “cavalo de Troia”, ou uma casca de banana. Portanto, a palavra de ordem é: desconfie de tudo. A desconfiança tem sido a ferramenta de trabalho do repórter desde que o mundo é mundo.

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