O que faria a Polícia Civil reabrir o caso do sumiço da professora Cláudia, da UFPel?

Os jornalistas não podem esquecer o desaparecimento da professora Cláudia. Fotos: Reprodução

É regra entre os policiais que investigam desaparecimentos de pessoas de só reabrirem o caso quando o cadáver é encontrado ou surgirem novas provas técnicas e testemunhais que levem ao autor do crime. Mas há exceções. E uma delas é o caso do sumiço, na noite de 9 de abril de 2015, da professora Cláudia Hartleben, então com 47 anos, do curso de Biotecnologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Na ocasião os investigadores tinham três suspeitos, dois deles foram indiciados no inquérito policial – há matéria na internet. Mas a Justiça não aceitou o indiciamento. As investigações sobre o terceiro suspeito não prosperam. Em abril de 2019, o promotor José Olavo Passos, do Ministério Público Estadual, pediu o arquivamento das investigações. Por que o caso da professora Cláudia se enquadra entre as exceções? É sobre isso que vamos conversar.

Vamos aos fatos, baseados em tudo que publicamos. No dia do seu desaparecimento (09/04/2015), a professora saiu da UFPel  e foi até a casa da amiga Eliza Komninou, veterinária e sua colega na universidade. As duas conversaram por cerca de duas horas e depois disso Cláudia embarcou no carro e rumou para a sua casa. Por que sabemos que ela tomou o rumo de casa? Por dois motivos. O primeiro é que o seu carro foi filmado por uma câmara de segurança perto da sua casa, às 22h48min06seg. Aqui dois detalhes: o primeiro, não dá para ver quem estava dentro do veículo. Segundo detalhe: não se consegue ver a placa. Ainda durante o trajeto há uma ligação no celular de Cláudia do companheiro dela, Pedro Gomes, que estava em Porto Alegre a negócios. O carro da professora foi colocado na garagem, o ronco do motor foi escutado pelo seu irmão que mora nas imediações com sua mãe, dona Zilá. Ele e a mãe também afirmaram que ouviram o ranger do portão quando a professora entrou em casa. Aqui é o seguinte: o irmão e a mãe ouviram o ruído do portão e deduziram que era a professora entrando em casa. Elas não a viram. Depois nós noticiamos uma rotina que a professora teria seguido dentro de casa. (…) Ela deixou o computador (…) Foi para o quarto. E na mesa de cabeceira estavam as joias. (…) Cigarros ficaram no banheiro. Tomou um cafezinho, fumou um ou dois cigarros. Seguindo a descrição da rotina da professora, nós publicamos que ela trocou de roupa. A calça, a blusa e os chinelos que estava usando quando foi visitar a amiga foram encontrados no quarto. Sumiram a bolsa, os cartões de crédito e o celular. Os cartões não foram usados e o celular permaneceu desligado. Na casa estava o jovem João Félix, filho de Cláudia com o seu ex-marido, João Morato Fernandes. João disse à polícia que dormia e não ouviu ou viu a mãe naquela noite. A Polícia Civil fez perícia na casa e não divulgou o resultado para a imprensa. É do jogo.

O que não é do jogo é os jornalistas não terem perguntado para a polícia e avisado o leitor que fizeram a indagação sobre se houve uma perícia no banheiro. Por quê? Escrevemos que a professora trocou de roupa. Mas não mencionamos onde foram parar as roupas íntimas dela. No cesto da roupa suja? Ela lavou e pendurou? Daí a importância de se saber se foi feita a perícia no banheiro. Esse pequeno detalhe pode ser o fio da meada que vai desmontar a tese de que a professora Cláudia estava em casa quando despareceu. Todas as respostas necessárias para reabrir esse caso estão ali no inquérito policial. O que é preciso é fazer uma leitura atenta e ampliar investigações já feitas. Lembro que oficialmente o caso foi encerrado. Mas os colegas da professora, seus amigos e alguns abnegados investigadores da Polícia Civil continua insistindo para que o caso tenha solução. A linha mais forte da investigação é que a professora foi vítima de feminicídio. O Brasil, em particular o Rio Grande do Sul, estão no topo das estatísticas desse tipo de crime. Casos como o da professora Cláudia são um incentivo aos criminosos. Elas passam uma mensagem de que, se for bem-feito e não houver corpo, a possibilidade do culpado sair ileso é muito grande. A professora integra uma galeria de mulheres que desapareceram no Estado e a polícia tem o suspeito, mas não consegue prendê-los por falta do cadáver. São elas: a comerciante Sirlene de Freitas Moraes, 42 anos na época, e o seu filho Gabriel, sete anos, que em 2005 sumiram depois dos dois se encontrarem com o amante de Sirlene, em Porto Alegre. E Cintia Luana Ribeiro Moraes, 14 anos na época, grávida de sete meses, desaparecida em Três Passos depois de ter se encontrado com o pai da criança.

Meus colegas repórteres, a história é simples. As únicas pessoas que as famílias dessas mulheres procuradas vivas ou mortas têm para pressionar as autoridades a pelo menos demonstrar interesse pelos seus casos somos nós jornalistas. Portanto, não podemos virar as costas. O pior tormento que uma família pode viver é não saber o que aconteceu com a pessoa que desapareceu. Já ouvi muitas dessas histórias. Para a polícia é uma estatística, para a família, um tormento, e para nós uma obrigação para continuarmos pressionando as autoridades pela solução do caso.

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