Duas perguntas que precisamos responder aos nossos leitores. Qual a diferença entre os dois vídeos circulando na internet convocado a população para a manifestação no próximo dia 15 em apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com a jogada feita em 1961 por Jânio Quadros, renunciando à Presidência da República apenas oito meses depois de tomar posse? E de Fernando Collor de Mello, que em 1992 pediu para a população ir às ruas no feriado de 7 de setembro vestindo verde e amarelo? A diferença é que o grupo político de Bolsonaro aprendeu com os erros de Jânio, que renunciou acreditando que voltaria ao cargo nos braços do povo e fracassou, e Collor, que apostou que o apoio popular o salvaria do impeachment, mas viu os brasileiros vestirem preto e acelerarem a sua queda.
A história mostra que Jânio e Collor cometeram uma série de erros, sendo o maior deles não oferecer uma mensagem curta, direta e clara aos seus eleitores. Nos primeiros três meses do governo Bolsonaro a mensagem passada para os apoiadores era confusa e se resumia em “culpar o PT”. Com o passar do tempo as coisas foram clareando: a imagem de que o presidente era o homem que veio ao mundo para salvar os brasileiros foi sendo reforçada, e o auge dessa estratégia é mostrado em um dos vídeos que estão circulando. A imagem forte é durante a campanha eleitoral (2018), quando ele é esfaqueado – há uma abundância de matérias na internet. Os inimigos que o impedem de cumprir a sua missão são nomeados de forma curta e clara: o Congresso, o Poder Judiciário e os jornalistas. O nome disso é messianismo. Uma estratégia simples e eficiente de comunicação que nasceu nos tempos bíblicos e vem sendo aperfeiçoada através dos tempos. Às vezes alguém do governo deixa muito explícito o uso dessa estratégia e acaba se complicando, como foi o caso do ex-secretário especial da Cultura, Roberto Alvim, que perdeu o cargo (17/01) por ter distribuído um vídeo sobre um concurso literário no qual citou trechos de um discurso do nazista Joseph Goebbels, ministro da propaganda do Adolf Hitler.
O messianismo é alimentando pelo confronto. E o que mais barulho faz é contra jornalistas. A última vítima das calúnias do presidente foi a jornalista do Estadão Vera Magalhães. Ela divulgou que Bolsonaro havia compartilhado nas redes os vídeos da convocação para a manifestação do dia 15. Outra foi a repórter da Folha Patrícia Campos Mello, caluniada por Hans River, ex-funcionário da Yacon, uma empresa de “disparo de mensagens”, durante o depoimento dele na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News. O presidente e o seu filho deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL- SP) não só reforçaram as calúnias de Hans contra a jornalista como a acusaram de uma série de inverdades. O presidente também atacou a jornalista da Jovem Pan, um das emissoras de rádio mais importantes de São Paulo, Thais Oyama, autora do livro Tormenta – O Governo Bolsonaro: Crises, Intrigas e Segredos. Ele a chamou maneira pejorativa de “japonesa”. A respeito das calúnias contra a imprensa publiquei o post (15/02) “A ira contra jornalistas: pistoleiros na Fronteira e caluniadores em Brasília“.
Na linguagem militar o governo mantém “um conflito de baixa intensidade” com os jornalistas. Ele é localizado e o risco de se expandir para outras áreas é mínimo. A estratégia em relação ao Congresso e ao Poder Judiciário é outra, chama-se desgaste. Como se diz no interior do Rio Grande do Sul, “atira uma pedra e esconde a mão”. Nada indica que governo Bolsonaro vá para o confronto direto com esses dois poderes. A não ser que ele encontre uma brecha. Aqui, eu gostaria de refletir com os meus colegas repórteres. A maneira como se tem noticiado as questões que envolvem ameaças dos bolsonaristas contra o Judiciário e o Congresso dá a impressão que eles vão lá fechar tudo e os brasileiros ficarão de braços cruzados assistindo. Sabemos que não é assim que funciona. Muito gente morreu, perdeu seus empregos e até precisou abandonar o país para consolidar a democracia no Brasil. A herança econômica, política e cultural deixada pelo Regime Militar (1964 a 1985) foi perversa, como mostra a história. Um dos focos da minha carreira foram os conflitos agrários, entre fazendeiros e sem-terra e índios e garimpeiros. Houve um período na luta pela terra no Brasil que se chamou de messiânico, entre 1912 a 1950.
Tudo acontecia assim. Uma pessoa religiosa e que entendia do uso medicinal das ervas se estabelecia entre os agricultores miseráveis em uma grota perdida pelos rincões. Ao redor dela surgia um movimento de luta pela terra. O mais famoso de todos foi o monge São João Maria, um religioso europeu que veio para o Brasil por volta de 1844 e andava pelos sertões brasileiros. Nos anos seguintes, em vários sertões do Brasil, outros religiosos e conhecedores das plantas medicinais passaram a se chamar São João Maria. Um deles estava na Guerra do Contestado (1912 a 1916), um conflito envolvendo pequenos proprietários e posseiros que aconteceu na divisa de Santa Catarina com o Paraná. O livro O Contestado: Sangue no Verde do Sertão (1997), da repórter Ângela Bastos, é um documento sobre o que aconteceu lá. Outro São João Maria iniciou um conflito por terra no Lagoão (1936 a 1938), no interior gaúcho. Em parceria com o repórter André Pereira publiquei o livro Monges Barbudos & O Massacre do Fundão (1981). Claro, o presidente Bolsonaro não é o São João Maria da era eletrônica. Mas a lógica do discurso é muito parecida. E o que nós jornalistas temos que ter bem presente é que o presidente e seu círculo íntimo de pensadores não são um bando de trogloditas. São pessoas inteligentes, cursaram boas faculdades, têm recursos e aprendem com os erros. É simples assim.