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O atual momento da história brasileira exige do repórter um brutal exercício diário para se manter bem informado e, o mais importante, ter a cabeça fria na hora de explicar para o seu leitor o que está acontecendo. Não é fácil juntar as duas coisas. Mas também não é impossível. Dei uma boa vasculhada em tudo o que temos publicado sobre a questão da proposta do governo do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL – RJ), sobre as mudanças na Previdência Social. O cérebro do projeto que foi apresentado aos deputados da Câmara Federal e depois deverá ir para o Senado é o economista Paulo Guedes, 69 anos, o superministro da Economia de Bolsonaro. Guedes tem recebido fogo cerrado da minha geração de repórteres, porque ele é Chicago Boy, de um grupo de economistas formado pela Universidade de Chicago que se especializou em espalhar ao redor o liberalismo econômico – há um documentário chamado Teoria do Choque que resume bem o trabalho do Chicago Boy.
No caso do projeto da Nova Previdência Social, como o governo está vendendo as mudanças para a população, lembrar que Guedes é Chicago Boy é chover no molhado, como diz o dito popular. O que o nosso leitor tem o direito de saber, e nós o dever de explicar, é que as mudanças propostas vão aquecer o mercado da Previdência Privada, que é ancorado nos bancos, setor do qual o superministro de Bolsonaro é oriundo. Então, temos a seguinte situação: o governo diz, e muitos concordam, que se não for aprovada a nova Previdência Social, o país quebra, como aconteceu com países europeus. Falta explicar que, no caso da aprovação, também irá despejar muito dinheiro no sistema de Previdência Privada.
Não é crime. Mas precisa ser dito. Portanto, Guedes não está nessa por patriotismo: é pelo lucro. Outra coisa que precisa ser dita para o nosso leitor: sobre o uso de militares da reserva e da ativa para ocupar cargos na máquina administrativa do governo federal. Não escrevemos. Mas está lá nas entrelinhas dos conteúdos dos noticiários que a presença deles na administração pode representar um perigo para democracia brasileira. Isso aí é por conta do trauma que representou para a minha geração o Golpe Militar (1964 a 1985),que derrubou o presidente da República legalmente eleito João Goulart, o Jango, do antigo PTB. Atualmente, as instituições do Brasil estão suficientemente fortes para manter e proteger a democracia. Bolsonaro é capitão da reserva do Exército, e é seu direito chamar quantos colegas entender ser necessário. Mas é nosso dever de repórter informar ao nosso leitor que a ação do presidente passa um recado para os brasileiros: que apenas as Forças Armadas são quadros de profissionais competentes e honestos.
Entre os repórteres que fazem cobertura policial, existe um dito popular muito usado: lobo em pele de cordeiro. Nesse caso, o sentido é para descrever uma pessoa inteligente, articulada e astuta que se camufla “boba” para poder agir sem ser notada. Nos primeiros dois meses do governo Bolsonaro, uma das marcas da administração é a dos “lobos em pele de cordeiro”. O próprio presidente da República que era dito por nós, repórteres, como apenas mais um parlamentar exótico de boca suja, na verdade estava nos usando para firmar a sua imagem perante a opinião pública. E já no exercício do mandado, ele não teve a mínima cerimônia em usar um dos seus filhos, o vereador carioca Carlos, para derrubar um de seus ministros, Gustavo Bebiano, ex-secretário- geral da Presidência da República. O ex-juiz federal Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, que se tornou ministro da Justiça e Segurança Pública, retirou de seu Projeto Anticrime a criminalização do uso de caixa dois pelos candidatos em eleições. Moro cedeu a pressões políticas. É do jogo.
Esse é o cenário nos dois primeiros meses do governo Bolsonaro. O que vem pela frente ninguém tem o atrevimento de prever. Nós, repórteres, podemos ajudar aos nossos leitores, separando os lobos dos cordeiros. Já é um bom começo.
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