Sempre que faço uma palestra em uma faculdade de jornalismo começo fazendo uma pergunta, à qual eu mesmo respondo. Vale a pena apostar na carreira de jornalista? O dia em que não valer mais a sociedade está ferrada. Por quê? Desde os tempos em que as matérias eram escritas molhando uma pena em um tinteiro, nós temos sido “os chatos de plantão” para apontar os erros dos governantes. Nos países democráticos ao redor do mundo, incluindo os Estados Unidos, os governantes sempre têm um rosário de queixas contra a imprensa. O presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL – RJ), não passa uma semana sem xingar e lembrar que a “mídia tradicional” está com os seus dias contados devido às redes sociais. Repete o que seu colega americano, Donald Trump, vem pregando. Aqui está o xis da questão.
E foi sobre o “xis da questão” que conversei com os alunos do curso de jornalismo da Universidade Feevale, uma organização comunitária de grande prestígio no mundo acadêmico que fica em Novo Hamburgo, no Vale do Rio dos Sinos, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Bolsonaro e seus seguidores acreditam que, se usar o poder econômico para causar prejuízos aos grandes grupos empresariais de comunicação, estará calando a imprensa tradicional e fortalecendo as redes sociais, onde ele diz o que bem quer. Não é assim. Os problemas econômicos, com fuga de assinantes e anúncios dos grandes jornais, começaram bem antes de Trump e Bolsonaro serem presidentes. O surgimento de novas mídias trouxe para os leitores opções mais baratas e eficientes de ter acesso a informações. Bem como diminuiu o custo dos anunciantes e aumentou a eficiência dos seus anúncios. Esses dois fatores, somados a um afastamento da realidade dos seus ouvintes, telespectadores e leitores dos conteúdos dos noticiários, resultaram em demissões em massa de jornalistas e fechamento de muitos jornais.
Agora, esse processo significa a extinção dos jornalistas, a exemplo dos datilógrafos, como sentenciou Bolsonaro? Não, nem da mídia tradicional. Os grandes grupos de mídia vão reduzir o seu tamanho, como já está acontecendo, mas vão continuar influentes no cenário por serem veículos de comunicação de massa – principalmente as TVs abertas. E nós, jornalistas, qual é o nosso futuro? Como disse na palestra, eu não sou um profeta do apocalipse da nossa profissão. Muito pelo contrário. Acredito, e a realidade está mostrando isso, que a nova configuração do mercado de trabalho nos trouxe chances novas profissionais. Se, por um lado, o emprego nas redações dos grandes jornais praticamente não existe mais, pelo outro lado o surgimento de blogs, sites especializados e pequenas empresas que vendem conteúdos significam a continuidade da nossa profissão.
Para provar o que estou falando, eu lembro o seguinte: o maior furo jornalístico dado neste ano não foi publicado em grande jornal. Mas em um site, The Intercept Brasil, que publicou conversas feitas por meio do aplicativo Telegram, do então juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR), com os procuradores da República da força-tarefa da Operação Lava Jato. Os textos mostraram uma relação do juiz com os procuradores que é proibida por Lei – há uma vastidão de matérias sobre o assunto na internet. Arrematando a conversa. Nos últimos 10 anos, o mercado de trabalho para jornalistas está passando por uma transformação imensa. As grandes empresas de mídia também estão se transformando. O que irá surgir lá na frente é resultado dessas transformações, ainda é cedo para falar. Mas algumas afirmações já podem ser feitas: a formação do repórter será mais completa, e as pequenas empresas de conteúdos irão se consolidar como uma opção de trabalho. O que o presidente Bolsonaro não entendeu é que está sendo extinto um modelo de vender a informação para os leitores, e não o jornalismo. O jornalismo continuará incomodando o poder. Essa é a nossa missão.
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