Eu li, vi e ouvi todos os conteúdos que publicamos nos dias seguintes ao depoimento do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro na Polícia Federal (PF), em Curitiba (PR). Ele pediu demissão (em 25/04) depois de um longo processo de fritura por parte do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que exigia ser abastecido com informações a respeito de inquéritos policiais e outros assuntos em andamento na superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro. A gota d’água que levou Moro a pedir as contas foi a demissão, por Bolsonaro, do diretor-geral da PF, o delegado Maurício Valeixo. Valeixo era homem de confiança do então ministro quando ele foi juiz da 13ª Vara Federal, em Curitiba, e comandava a Operação Lava Jato, que lhe deu fama mundial como combatente contra a corrupção ao colocar na cadeia vários grandes empresários e o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP). Na época, Lula era o principal adversário de Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018. A sua prisão facilitou a vitória do atual presidente. No final de 2018, Moro aceitou a oferta para ser ministro do presidente eleito, deixando para trás uma carreira de 22 anos de magistrado para investir todo o seu capital de respeito adquirido na Lava Jato no novo governo. Ao deixar de ser juiz, Moro tirou a pele de cordeiro e vestiu a de lobo. O presidente abandonou a pele de cordeiro e vestiu a de lobo em 1988. Ele era tenente do Exército e, após liderar um motim, acabou indo para a reserva como capitão – há um vasto material disponível na internet.
A história dos lobos não terminou, eu volto a falar nela logo adiante. Antes vou voltar a falar sobre o depoimento do ex-juiz – que está disponível na internet. Ele prestou depoimento na PF de Curitiba a pedido do Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde de sábado (02/05). Foi ouvido a respeito da tentativa do presidente de usar indevidamente a PF para coletar informações sobre os seus desafetos políticos no Rio de Janeiro. Foram quase 10 horas de depoimento, quando o ex-juiz repetiu o que já havia dito em uma entrevista coletiva e deu algumas pistas sobre o comportamento de Bolsonaro. Na opinião geral dos repórteres e comentaristas políticos, Moro não disse nada que não se sabia. A grande novidade é que aquilo que até então era apenas uma conversa entre ele e o presidente foi para o “papel”, ou seja, tornou-se oficial. Dessa forma, pode acabar de duas maneiras: sendo engavetada ou se transformando em um processo no STF. Depois de ler, ouvir e ver tudo o que se publicou sobre o depoimento, lembrei-me de um ensinamento que aprendi no dia seguinte ao que coloquei os pés em uma redação de jornal, lá em 1979: “Wagner”, alertou-me um velho repórter, ”lobo não come lobo. Nunca esqueça isso”. Na verdade, Moro e Bolsonaro sempre foram lobos vestidos com pele de cordeiro, como diz o dito popular. Basta olhar a história recente dos dois. A respeito do ex-juiz, em 2019 o site The Intercept Brasil denunciou uma série de ilegalidades cometidas por ele e por procuradores da República na Lava Jato no caso de Lula – matérias na internet. Bolsonaro e os filhos Carlos, vereador no Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal de São Paulo, têm histórias ainda não explicadas, mas que estão sendo investigadas, de envolvimento com os milicianos cariocas e a produção em escala industrial de fake news.
Voltando à história do lobo. Os dois são lobos e não vão se comer. Mas vão brigar pela liderança da matilha. Aqui, meus colegas jovens repórteres, nós temos que prestar atenção ao seguinte. Até agora a oposição não conseguiu se organizar e ainda não tem um candidato forte para as eleições de 2022. Lula é o único que tem votos, fôlego e prestígio para desafiar a reeleição do presidente. Mas não pode concorrer por causa da lei da Ficha Limpa. Sem uma candidatura forte da esquerda, Bolsonaro perde os votos anti-PT responsáveis pela sua eleição em 2018. Para quem vão esses votos? Para uma candidatura de centro, que hoje tem um congestionamento de candidatos. Moro, empunhando a bandeira contra a corrupção, tem boa chance de se posicionar entre os candidatos de centro na disputa pelo poder. Se essa hipótese se concretizar, Moro precisará ter a “bala de prata” contra o presidente. E qual seria essa “bala de prata”? Um crime de corrupção envolvendo Bolsonaro. Até agora Bolsonaro tem sobrevivido a todas as acusações dos seus inimigos políticos, como a de ser homofóbico, defender a execução de bandidos, admirar torturadores de presos políticos e de pregar um golpe militar. Por que ele sobrevive a essas acusações? Simples, sempre admitiu publicamente essas coisas. Aliás, muitos dos seus eleitores votam nele exatamente por isso. Crime de corrupção é outra conversa. E não é por outro motivo que Bolsonaro quer usar a PF do Rio para obter informações sobre investigações policiais. Uma dessas investigação é sobre a “rachadinha” – uma prática na qual funcionários de parlamentares devolvem uma parte dos seus salários para o deputado que os emprega – que existia no gabinete do seu filho Flávio, quando este era deputado estadual. Mais ainda: a relação dele e dos seus filhos com Fabrício Queiroz, um ex-policial militar que teve ligações com os milicianos. As milícias cariocas, que são formadas por PMs, movimentam milhões em operações ilegais, como a construção de prédios clandestinos e outras atividades comerciais nas favelas.
Aqui chegamos a um importante ponto dessa história. O caso de Queiroz e da “rachadinha” está rolando há um bom tempo e ainda não deu em nada. A história de Lula com o apartamento tríplex, no Guarujá, litoral de São Paulo, começou em 2014 e o processo só tomou um rumo quando os procuradores da Lava Jato e o então juiz Moro apostaram nele e acabaram sentenciando o ex-presidente à prisão, em 2018. Moro não é mais juiz. Mas sabe como fazer andar um processo. E tem os contatos para fazer isso na Justiça. Portanto, é o ”cara” que tem como conseguir a “bala de prata” contra Bolsonaro. E isso o torna uma pessoa interessante no tabuleiro da disputa política. Em 25/04, eu fiz o post “A aliados, adversários e especuladores do mercado interessa Bolsonaro sangrando”. Trato do sangramento do prestígio político do presidente que vem sendo causado pelas crises do seu governo, a maioria delas causadas pelas trapalhadas do próprio Bolsonaro. Na época, perguntei se Moro iria se juntar aos que se interessam em ver o presidente sangrando. Por hora, ele se contenta em ver o presidente sangrando. Como sempre repete um amigo descendente de colonos italianos: “a vingança é um prato que se come frio”.