Nos últimos dois anos, várias vezes ao dia, eu passo por um dos esteios de madeira que sustentam a minha casa e desvio o olhar para um cartaz que pendurei ali: “Toda a garrafa vazia. Está cheia de histórias”. Ganhei o cartaz de um casal de amigos, o advogado Ricardo Sá e a psicóloga Roberta Rodrigues. Trabalhei em redação de jornal de 1979 a 2014 e, quando sai, comecei a ajudar na formação de novos repórteres, fazendo palestras, discutindo com colegas em redações pelo interior do Brasil e escrevendo sobre jornalismo. Por conta dessas conversas, eu precisei me atualizar em tudo que se tem escrito, falado e pesquisado sobre a nossa profissão e o destino das empresas tradicionais de comunicação. Pelo que vi, eu acredito que nunca se tenham publicado tantos trabalhos acadêmicos, pesquisas de marketing e livros sobre o futuro da reportagem. Por conta da disputa pelos leitores que existe entre os jornais e as redes sociais. Todos os dias, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o do Brasil, Jair Bolsonaro , gritam aos quatro ventos que o jornalismo “já era”.
Não é bem assim como Trump e Bolsonaro falam. A briga ainda não terminou. E uma das frentes dessa briga são as conversas que velhos como eu tem sobre a reportagem com os jovens. Nos últimos tempos, eu confesso que, no final das palestras, sempre saio pensando que tinha deixado de falar alguma coisa considerada importante. O cartaz que o Ricardo e a Roberta me deram me fez lembrar do que tenho esquecido de falar nas palestras: a paixão que o repórter precisa ter em esclarecer o desconhecido. Sem ela, nós somos apenas um amontoado de técnicas de como fazer jornalismo. Mas é ela que nos torna diferentes. A paixão é uma palavra que tem várias definições. A defino como “insistência de descobrir a verdade”. A história reservou ao repórter a tarefa de descobrir e explicar os fatos relevantes ao cotidiano das pessoas. Isso significa que nós não somos intermediários entre a fonte e o leitor. Nós produzimos conhecimento novo com o nosso trabalho. Isso não é de agora. Vem de longe. Hoje, graças às novas tecnologias que facilitaram a comunicação entre as pessoas, a função do repórter ficou mais clara para todos.
O repórter não nasce com a paixão por esclarecer o desconhecido. Ele a cultiva como se fosse uma planta rara, até ela crescer e começar a dar frutos. O cartaz “Toda a garrafa vazia. Está cheia de histórias” me fez lembrar porque resolvi ser repórter. Foi ali, na mesa do boteco, escutando as conversas de grandes repórteres sobre as matérias em que vi a paixão pela busca da verdade na cara deles. Lembro, enquanto as garrafas ficavam vazias sobre a mesa, do som da conversa subia. No final da noite, todos falavam ao mesmo tempo, parecia uma briga. Foi durante uma gritaria dessas que ouvi uma frase, não lembro quem disse, mas nunca a esqueci: “publicamos o mais próximo da verdade que conseguimos chegar”. Com os anos, fui aprendendo a profundidade dessa frase. E também tendo a certeza que nunca se deve esquecer o grande objetivo do repórter: conseguir esclarecer 100% do fato.
Tudo indica que 2019 não vai ser um ano fácil para os jornalistas brasileiros. Demissões, fechamento de jornais estão no nosso horizonte. Seja lá qual for o rumo que o governo do Bolsonaro tomar, o certo é que vamos ter sérios problemas de acesso a informações. Ele seguirá o modelo de Trump, de usar as redes sociais para falar. Aqui uma curiosidade: se os grandes noticiários não divulgarem as postagens feitas pelo presidente da República nas redes sociais, elas não repercutem. Mais ainda: nem Trump, nem Bolsonaro vão postar nas redes sociais fatos desfavoráveis a suas administrações. Isso segue sendo função nossa esclarecer e publicar. Portanto, o governo Bolsonaro é uma garrafa cheia na mesa de jornalistas em um boteco. Logo ela vai estar vazia e restará uma história para contar. É simples assim.
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