– As ruas da cidade são a cara do prefeito.
Esse é um dito popular do interior do Rio Grande do Sul que resume, com uma precisão enorme, o desempenho de uma administração pública em uma área fundamental para o cidadão, que é a via pública urbana. A julgar pela buraqueira nas vias – principalmente nas vilas – de Porto Alegre, a cara do jovem prefeito eleito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Junior (PSDB), está muito feia. No cargo há exatos 191 dias, na questão das vias públicas urbanas o prefeito não disse ainda porque veio.
Falta dinheiro para resolver o problema? Usa a criatividade. Aqui, quero chamar a atenção dos meus colegas repórteres, principalmente dos mais jovens. Nós temos que olhar para a administração de Porto Alegre com os olhos nos tempos atuais, onde os problemas são resolvidos usando a moeda “criatividade”. Vejamos o seguinte: a maior alegação do governo Marchezan é que herdou uma cidade sem dinheiro, com uma baita dívida e uma máquina administrativa caríssima – com empresas tipo a Carris, dona de um déficit enorme. Cercado de mestres e doutores na ciência da administração pública, o prefeito aponta como solução dos problemas privatizar estatais e cortar benefícios sociais – tipo a segunda passagem grátis. Escolheu trilhar o caminho da obviedade.
Os consertos feitos recentemente nos buracos das vias públicas de Porto Alegre deixaram muito a desejar, para dizer o mínimo. Acrescento mais uma coisa: logo que comecei a trabalhar de repórter na Zero Hora, nos anos 80, os meus colegas do Correio do Povo sempre chegavam antes da minha equipe nos rolos. Foi aí que aprendi uma coisa: o modo mais rápido de cruzar a cidade, de ponta a ponta e de lado a lado, é atalhando pelas vilas populares. Até hoje conservo esse costume e, diariamente, rodo pelas vielas da Grande Cruzeiro – um conjunto de 30 vilas no sul da cidade onde vivem 250 mil pessoas. As ruas da Cruzeiro estão um caos, falta espaço para tanto buraco. O recolhimento de lixo é também um problema. Na semana passada, estive na Chácara da Fumaça, que é também um conjunto de vilas populares no norte da cidade, e o quadro é semelhante ao da Cruzeiro.
A situação de ruas, avenidas e vielas de Porto Alegre é uma das piores da história da cidade. Quem duvidar é só dar um passeio pela city. E a criatividade que falta para o prefeito encaminhar os problemas das vias públicas urbanas da cidade pode ser encontrada dentro do quadro de funcionários concursados da prefeitura. Em 40 anos como repórter, eu acumulei um bom conhecimento sobre a capacidade técnica dos quadros da prefeitura. Tem gente muito boa e dedicada aos problemas da cidade. Marchezan foi eleito prefeito. Mas não conseguiu se comunicar com a máquina administrativa da cidade por ser uma pessoa arrogante. Ou nas palavras de um técnico da prefeitura: “um sem respeito”. Conversei longamente com pessoas que trabalharam com ele quando era parlamentar, e a opinião é que, depois que assumiu o cargo de prefeito, tornou a arrogância o seu cartão de apresentação para a máquina administrativa da prefeitura. No exercício dos seus mandatos de deputado estadual e, depois, federal, Marchezan sempre foi um parlamentar de posições bem definidas, muitas delas respeitadas até pelos seus adversários políticos.
Nunca entrevistei o Marchezan. Mas entrevistei várias vezes o pai dele, Nelson Marchezan – faleceu em 2003 e tem uma vasta carreira política (informações disponíveis na internet). Ele foi parlamentar e ministro na época do Regime Militar (1964 a 1983) e pertencia ao partido do governo, a Arena, que depois se transformou no PDS. Marchezan conseguiu o respeito dos parlamentares da oposição, na época do MDB, que virou o PMDB, pela sua enorme capacidade de negociação. Lembro que ele não era homem de levar desaforo para casa, nem de militar nem da oposição. Eu lembro que, certa vez, em Carazinho, eu trabalhava de repórter no jornal O Interior, e fui testemunha de um bate-boca dele com um ministro. Parecia que ele era da oposição.
Ser negociador não é uma caraterística do caráter político do prefeito. A geração do PSDB de Marchezan e do prefeito de São Paulo, João Dória, tem como estratégia se envolver em polêmicas grandes – tipo cracolândia e privatizações – para se manter como pautas obrigatórias dos noticiários. Dentro dessa estratégia, os funcionários de carreira das prefeituras são deixados de lado. Dória trabalha duro para chegar a presidente da República. E Marchezan, para ser governador do Rio Grande do Sul. Os dois têm as suas diferenças políticas e de maneira de agir. Mas são unidos pela arrogância.