O jogo só termina quando o juiz der o apito final. Essa máxima do futebol serve para falar sobre o que irá acontecer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal. Nas próximas sessões, os deputados deverão votar o relatório de Sergio Zveiter (PMDB-RJ), que autoriza o prosseguimento do processo contra o presidente da República, Michel Temer (PMDB- SP). O Ministério Público Federal (MPF) denunciou Temer por ter recebido propina do empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS e delator da Operação Lava Jato.
Seja qual for a decisão dos deputados da CCJ sobre o relatório de Zveiter, ele irá a julgamento no plenário da Câmara. Mas o que eles decidirem irá influenciar no plenário. Na tarde de segunda-feira, o relatório foi lido por Zveiter, e houve os primeiros pronunciamentos dos parlamentares. Foi dado vista coletiva ao relatório, e os debates entre os parlamentares devem acontecer nas próximas duas sessões. Aqui, eu chamo a atenção dos meus colegas repórteres, especialmente dos novatos. Nós devemos ver nos debates o que os deputados não estão falando. Mas dão a entender – seja por gestos ou meias-palavras – de trunfos que têm na manga contra os seus adversários. O que aconteceu na segunda foi um trailer do jogo duro que vem por aí.
A tropa de choque do Temer é coesa, organizada e muito bem informada. Sempre que tem uma bola dividida, eles têm alguém na espera para chutar a gol. Na segunda, durante uma discussão de um deputado com o presidente da CCJ, Rodrigo Pacheco (PMDB – MG), Carlos Marun (PMDB – MS) entrou no meio perguntando se sabiam que a família do relator Zveiter era dona de uma escritório de advogados que prestava serviços para a Rede Globo, que estaria interessada em derrubar Temer. Ninguém se interessou pelo assunto. Mas o assunto ficou no ar e hoje é matéria-prima de textos recheados da teoria da conspiração nas redes sociais.
Ficou claro que uma das estratégias dos defensores do Temer é desestabilizar emocionalmente o relator. Houve provocações de toda a ordem. Só faltaram chamá-lo de traidor, por ser do mesmo partido do presidente. Aqui, eu chamo a atenção dos novatos na reportagem. Um bom exercício para saber o grau de combatividade dos defensores do presidente é comparar o seu trabalho com o que foi desempenhado pelos que defenderam os presidentes que perderam o cargo por Impeachment: Fernando Collor (PRN – AL), em 1992, substituído por Itamar Franco (falecido em 2011), e Dilma Rousseff (PT – RS), em 2016 (o cargo foi ocupado por Temer).
A tropa de choque de Collor não foi páreo para a oposição unida (PT, PMDB, PSDB, PDT e outros pequenos partidos). Havia uma unanimidade nacional, simbolizada pelos Caras- Pintadas (jovens) contra Collor. Já os defensores de Dilma se deram conta muito tarde que o inimigo estava na mesma trincheira, no caso Temer, que era vice e articulou a conspiração contra a presidente. Durante a tramitação do impeachment de Dilma na CCJ, o grupo político de Temer teve um poderoso aliado, o então presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha (PMDB – RJ), que foi fundamental para o sucesso da conspiração. Logo depois, Cunha foi cassado e cumpre uma pena de 15 anos de prisão, decretada pelo juiz Sérgio Moro, da Lava Jato, em um presídio na Região Metropolitana de Curitiba (PR).
Os defensores de Collor e de Dilma são amadores, se comparados com os de Temer, um homem articulado entre os parlamentares e que conta com dois peso-pesados da arte da conspiração no seu grupo: os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco. E, entre os parlamentares, o senador Romero Jucá (PMDB – RR) e o deputado federal Carlos Marun (PMDB – MS), que foi o mais fiel aliado de Cunha – ficou junto a ele até o fim e, inclusive, foi visitá-lo na cadeia. Nos primeiros debates, a tropa de choque do Temer mostrou que fez o tema de casa – levantou a vida dos seus opositores. Nas suas falas, fornecem material para a fabricação de fake news (notícias falsas). O objetivo é construir na opinião pública a imagem de que, se retirar Temer do poder, o Brasil vai para o buraco – caos econômico e político. Na avaliação de especialistas a situação é exatamente inversa a do que alardeiam os defensores de Temer.
A ideia que ficou do primeiro embate entre a tropa de choque do presidente com os seus adversários na sessão da CCJ é que reagem usando um roteiro feito por consultores políticos e um marqueteiro. Cada palavra, cada gesto foram estudados. Por exemplo, Darcisio Perondi (PMDB – RS) sustentou as teses de defesa do presidente com uma convicção incrível. O seu rosto se transfigura quando fala. A veemência dos argumentos lembra a de um pastor pentecostal pregando. Se a atual conjuntura política se mantiver até o final das sessões da CCJ, o resultado da votação só será conhecido quando os deputados começaram a apertar os botões do placar eletrônico. O resto é pura adivinhação.