A corrida por armas potentes para serem usadas na disputa por território e assaltos pelas organizações criminosas brasileiras colocou o Brasil em um lugar de destaque entre os países compradores no mercado ilegal de fuzis, munições e explosivos. A disputa é causada pelo crescimento e pelo aperfeiçoamento das quadrilhas, que é uma consequência do fracasso das políticas de segurança pública, consolidado nos últimos cinco anos.
As principais armas pesadas usadas pelos quadrilheiros são estrangeiras e, a maioria, entra no país pelo Paraguai. Enfileirar números sobre armas ilegais é pintar um quadro irreal para o nosso leitor, chamo a atenção dos meus colegas repórteres, principalmente dos novatos. Mas podemos recomendar ao leitor uma olhada atenta aos relatos feitos sobre o uso de armas por criminosos nos noticiários e nas redes sociais, que estão disponíveis na internet. E também sugerir que conversem sobre o assunto com seus amigos e vizinhos. Dificilmente, alguém não foi vítima ou teve um conhecido que foi assaltado. Nós podemos ajudar o nosso leitor a entender os motivos pelos quais chegamos a essa situação, mostrando como relacionar fatos, que foram publicados de maneira isolada. Mas que, se unidos, eles mostram o caminho que percorremos até aqui, onde um chefe de quadrilha influencia muito mais na vida cotidiana das famílias do que o prefeito da cidade.
Começamos no momento em que o estado brasileiro estava encurralando as quadrilhas. Foi de 1995 a 2011, quando as políticas brasileiras de segurança pública foram modernizadas e reorganizadas pelos governos dos presidentes da República Fernando Henrique Cardoso (PSDB – SP) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT – SP). Aqui, é importante avaliar o seguinte. O bom desempenho do Brasil contra as organizações criminosas no período não pode ser atribuído apenas ao vigor da economia na época. Mas ele deve também ser analisado devido à presença forte do Estado em áreas de conflitos, por exemplo: em 2010, o senador paraguaio Robert Acevedo, do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA) sofreu um atentado à bala nas ruas de Pedro Juan Caballero, cidade do Paraguai separada do Brasil por uma avenida de Ponta Porã, no oeste do Mato Grosso do Sul. Dias depois do atentado, os então presidentes do Brasil, Lula, e do Paraguai, o bispo Fernando Lugo, se encontraram bem próximo ao local onde o senador foi ferido.
Eu estava no encontro de Lula e Lugo e documentei os dois presidentes baterem forte nas organizações criminosas da região. O que acontecia lá? Acossados pela instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas favelas cariocas e pela presença maciça da Polícia Militar nas regiões de conflitos nas cidades paulistas, o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, fugiram para o Paraguai, onde consolidaram as suas operações. Na época, existia uma rede de troca de informações muito bem articulada entre as polícias brasileiras (Civil, Federal e Militar) com as Forças Armadas sobre tudo o que ocorria nas fronteiras do Brasil com os países vizinhos da América do Sul. Graças a essa rede de informações que as apreensões de drogas, armas e contrabando de cigarros da Polícia Rodoviária Federal (PRF) eram abundantes – os números podem ser encontrados na internet.
Na primeira oportunidade que tiveram, as organizações criminosas voltaram. E a volta não deve ser atribuída apenas à atual crise econômica. Mas há problemas estruturais que não foram resolvidos, como é o caso do sistema penitenciário do Brasil, um dos mais eficientes formadores de soldados para o crime. Atualmente, as facções comandam das cadeias no país – há uma vastidão de informações nos noticiários e nas redes sociais na internet. Aqui, uma coisa importante: um livro-reportagem, “Fronteiras Abertas”, de Rafael Godoi, jornalista, e Sérgio de Castro, analista-tributário da Receita federal. O livro foi editado em 2010, pelo Sindicato Nacional dos Analistas Tributários da Receita Federal do Brasil (Sindireceita) e está disponível na internet. O trabalho é um documento que mostra a situação das carências de estrutura e pessoal nos postos das fronteiras. E o que poderia acontecer no futuro se os problemas não fossem resolvidos nas fronteiras com Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Guiana e Guiana Francesa. Os noticiários confirmam o que foi previsto.
O livro recomenda que os planos de fronteira sejam feito em parceria entre os governos. Aliás, sobre parcerias, há vários estudos feito pelo Grupo Retis, formado por um prestigiado contingente de cientistas sociais do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Como os governos não fizeram as parcerias, os criminosos as colocaram na prática. Hoje, os bandos que roubam carros no Brasil os trocam por armas e drogas no Paraguai, na Bolívia e na Colômbia. O PCC e o CV estão envolvidos em uma disputa para ocupar o lugar dos guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que estão sendo desmobilizados devido ao acordo de paz com o governo. Uma das atividades dos guerrilheiros é a proteção dos cartéis de produção de cocaína.
As organizações regionais, como Os Manos e os Bala na Cara, do Rio Grande do Sul, e a Família do Norte (FDN), do Amazonas, estão fazendo alianças com os atacadistas de maconha do Paraguai. Trocam droga por munição com grupos de varejistas de cocaína e maconha no Uruguai e na Argentina. Enquanto isso, um policial, para prender um bandido do outro lado da fronteira do seu país, precisa percorrer um imenso caminho burocrático. Ou contar com a colaboração pessoal de um colega. Hoje, a questão de segurança pública do Brasil tem como nó o sistema penitenciário. Aliás, eu recebi uma observação feita por um policial da fronteira do Mato Grosso do Sul, que diz o seguinte:
– Agora que os bacanas estão indo para a cadeia, pode ser que eles resolvam o problema do sistema penitenciário em proveito próprio kkkkkkk. O que acha, Wagner?
Respondi:
– Tem lógica, né?
Muito bem colocado. As armas de guerra são colocadas nas mãos dos bandidos pelas penas brandas aplicadas como punição e facilitadas pela ausência de um patrulhamento e vigilância permanente de uma Polícia Nacional de Fronteira fixada nas linhas de fronteira por onde passam o arsenal de guerra e as drogas que abastecem o crime dentro do Brasil. A vigilância poderia ter como reforço as Forças Armadas com poder de polícia de fronteira pela mobilidade que possui por ar, terra, mar e rios. A PF está sobrecarregada e não consegue cumprir a missão de fronteira, mas poderia permanecer nas aduanas e aeroportos. No Estado Democrático de Direito, a Segurança Pública tem que ser tratada como um DIREITO a ser garantido pela Força da Lei e da Justiça em que as Polícias exercem funções essenciais à justiça e de garantia da lei e da ordem onde deveriam atuar no ciclo completo (investigativo, pericial e ostensivo) e ter a mesma independência e autonomia do MP e Defensoria, ambas consolidadas em lei como função essencial à justiça. As tais “políticas públicas” de segurança, específicas de administração do Executivo deveria se restringir às políticas sociais, às políticas internacionais, ao fortalecimento das Forças Policiais, e ao recrutamento, capacitação, auxílio e valorização da profissão policial.
Grande Carlos Wagner! Belo trabalho em favor do jornalismo crítico e investigativo. Parabéns!
Já tendo acessado em ALTAS HORAS, não foi possível me ater como gostaria e, bem como é merecedor esse grande Jornalista, mas já foi suficiente para caracterizá-lo como a verdadeira AULA de jornalismo, de Comunicação.