Bandido é bandido, político é político. Esse é um bom caminho para explicar ao nosso leitor a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a palavra final no afastamento de deputados e senadores por medidas cautelares deve ser do Congresso. A decisão beneficia o senador Aécio Neves (PSDB), que foi afastado do seu cargo e também proibido de sair à noite por medida cautelar pelos ministros do STF. Há várias acusações contra Aécio, a mais contundente é uma gravação dele negociando uma propina de R$ 2 milhões com o empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS, delator da Operação Lava Jato, que está preso preventivamente.
Antes de seguir a história. A frase original é “Bandido é bandido, polícia é polícia”, que foi usada pelo famoso bandido Lúcio Flávio, morto aos 31 anos, em 1975. Jovem, bem apessoado, articulado, com a inteligência superior à média, ele ficou famoso pela audácia dos assaltos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Conseguia ficar fora da cadeia pagando propina para policiais corruptos. Foi dentro desse contexto que ele falou essa frase – há livros, vídeos e o filme “Passageiro da Agonia”, que contam a história dele.
Na frase de Lúcio Flávio, eu substitui a frase “polícia é polícia” por “político e político”, por entender que o contexto é muito semelhante. A decisão do STF protege o político no desempenho do seu cargo. Uma proteção necessária e que existe em todas as democracias do mundo. O que acontece no Brasil é que o político que se envolve em crimes comuns, como corrupção, é protegido por um direito conhecido como foro privilegiado, que lhe garante que só será julgado pelo STF, que, pela sua natureza, é bem mais lento do que os tribunais de primeira instância. O foro privilegiado, que também é estendido aos ministros, garante o status de político ao parlamentar envolvido em crime comum até que seja condenado. Só para ter uma ideia das distorções do foro privilegiado: hoje, uma simples briga de casal entre um senador e uma mulher só pode ser esclarecida com a autorização do STF.
A única maneira de separar os bandidos dos políticos é retirar a proteção que o foro privilegiado dá aos parlamentares envolvidos em crimes comuns, como existe em vários países. É graças a essa distorção que o presidente da República, Michel Temer (PMDB – SP), denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por corrupção, entre outros crimes, continua exercendo o seu cargo. Além dele, existem ministros, senadores e deputados. Aqui, eu quero chamar a atenção dos meus colegas repórteres, especialmente dos novatos: temos que explicar de maneira simples aos nossos leitores as distorções causadas pelo uso do foro privilegiado para proteger parlamentares envolvidos com crimes comuns. Nós não estamos fazendo isso com a necessária ênfase que o assunto merece.
Escutei o debate dos ministros do STF no dia em que eles decidiram que a palavra final é do Congresso sobre a aplicação de medidas cautelares a parlamentares. Também li, ouvi e vi as principais notícias sobre o assunto. E dei uma boa olhada nas informações sobre o caso que transitavam pelas redes sociais. A questão do foro privilegiado ficou de fora dos conteúdos. O que aconteceu é que foi noticiado e analisado o episódio tendo como foco a disputa entre os poderes Judiciário e Legislativo. Temos que explicar ao nosso leitor que existiria a disputa se os dois poderes estivessem resolvendo assuntos relacionados com a política. Não foi o caso. O senador Aécio está envolvido em crimes comuns (suborno, entre outros).
A passagem do Brasil para o clube das democracias plenas depende da revisão da lei do foro privilegiado. Basta ver o seguinte: em plena vigência da Operação Lava Jato, políticos, incluindo o próprio Temer, continuavam fazendo falcatruas. Um dos ensinamentos que bandidos como Lúcio Flávio deixaram a nós repórteres é que, quando a polícia descobre um crime, o criminoso já inventou outra maneira mais sofisticada driblar a lei. Como repórteres, temos que lembrar ao nosso leitor, sempre que surge uma oportunidade, que a política é a maneira mais correta que existe de resolver os problemas. Temos que alertar que os bandidos travestidos de parlamentares não fazem política. Fazem sacanagem.