Luíz Roese* e Carlos Wagner
Na semana que passou, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a tragédia da boate Kiss deve ir a júri popular em Santa Maria. OK, é uma vitória da justiça sobre a impunidade. A tragédia (há mais de seis anos) matou 242 pessoas, a grande maioria jovens. A decisão é para que o descaso que gerou o crime não se repita nunca mais.
Mas não deve ficar só por aí. É preciso lembrar que aquela ratoeira funcionava daquele jeito porque o poder público permitiu. Prefeitura, Corpo de Bombeiros, Ministério Público, muita gente teve chance de agir e evitar que o pior acontecesse. Por conta disso, mais pessoas deveriam ser responsabilizadas. Os fatos estão aí, basta que a Justiça seja feita. Vale lembrar que a casa noturna funcionava havia quase dois anos sem todos os alvarás necessários e ainda não tinha saídas de emergência, entre outras coisas. E não era na periferia. Era bem no centro de Santa Maria, a menos de 500 metros da prefeitura. Enfim. O STJ devolveu um pouco de Justiça. Mas ainda falta muito. Palavra de um repórter que esteve na frente da Kiss desde as 3 da manhã do dia 27 de janeiro de 2013.
Eu e mais um bando de repórteres de vários cantos do Brasil e alguns países do mundo também estivemos em Santa Maria durante a questão Kiss. Fiquei por lá, creio que uns 35 dias direto. Depois, com todos, peguei as minhas coisas e voltei para Porto Alegre. Todos voltaram para a sede de seus jornais, e o assunto foi desaparecendo dos noticiários. Enquanto isso, iniciava-se a caminhada dos familiares das vítimas da Kiss em busca de Justiça. Uma caminhada demorada, penosa e cheia de armadilhas. E, nos momentos mais difíceis, justamente quando eles precisam de alguém da imprensa para documentar o seu drama, o repórter Luiz Roese tem sido o único que está por lá para ouvi-los e fazer os registros. O caso tem quatro réus: os donos da boate Mauro Londero Hoffmann e Elisandro Callegaro Spohr. E os integrantes da Banda Gurizada Fangueira, Marcelo Santos e Luciano Bonilha. A estratégia dos advogados deles tem sido “empurrar com a barriga”, no caso, o trâmite dos processos no judiciário. Não tem nada de ilegal, eles estão agindo dentro da lei. Mas é uma estratégia cruel com os parentes das vítimas: 242 mortos e mais de 500 feridos.
A crueldade dessa estratégia dos advogados é que ela joga com o tempo a seu favor: quanto mais dias, meses e anos se passarem, menos o caso será lembrado pelas pessoas e mais chance os seus clientes terão de se safar. E aqui entram pessoas como o repórter Roese. Ele tem tanto conhecimento das entranhas desse caso que é capaz antecipar como irá repercutir no andamento do processo tudo o que acontece no presente. Muitas vezes pequenas coisas que passam despercebidas aos olhos do repórter que liga uma vez por mês para os familiares para fazer a famosa pergunta: “tem alguma novidade?”. A resposta, geralmente, não rende meia dúzia de linhas de conteúdo nos noticiários, porque a maioria de nós não conhece as entranhas do processo – ele é longo, complexo e cheio de detalhes. É nessa hora que a ajuda do Roese é valiosa.
Tenho conversado muito em palestras com jornalistas dos jornais do interior do Brasil e com estudantes. O centro da conversa tem sido a crise do emprego na nossa profissão, uma das piores da história. Tenho sido otimista na avaliação que faço do cenário sobre o futuro do jornalismo. Não acredito na extinção do jornalismo. Muito pelo contrário. O motivo que tem nos mantido vivo através dos séculos que passaram e os que vão passar é a nossa relevância para o leitor. Nós somos a única defesa que eles têm contra o sistema – que foi projetado para proteger quem tem dinheiro para pagar bons advogados. É, dentro desse contexto, que o trabalho do Roese merece a atenção dos jovens repórteres. O que ele tem para falar vocês não vão aprender dentro da sala de aula ou em uma redação. É simples assim.
*Luiz Roese é repórter especializado no caso Kiss