A força da transformação da sociedade está no trabalho de base, e não no parlamento. A frase foi cunhada há muitos anos. E resume uma estratégia de luta de uma parte significativa da esquerda brasileira no final dos anos 70 e que, agora, começa a ser retomada como caminho para a saída da atual crise política do país. Na visão dos seguidores dessa estratégia de luta, seja qual for o resultado das eleições de 2018, ele não irá resolver o problema da crise política. Por causa do comprometimento das bases da jovem democracia brasileira, que pode ser visto na imensa vastidão de documentos produzidos pelas delações premiadas da Operação Lava Jato.
Antes de seguir com o trem, como falam os mineiros, vou dar uma explicação aos meus colegas, jovens repórteres, com a intenção de contribuir para entendimento da situação, o que ajudará na estruturação de notícias precisas e simples para os nossos leitores. Em uma boa parte dos meus 40 anos de repórter, eu fiz a cobertura de conflitos sociais e o que vou escrever é baseado no que vi, ouvi e testemunhei. Os que estão apostando no trabalho de base não irão virar as costas para a disputa dos partidos nas eleições de 2018. Vão apoiar os candidatos de esquerda. Mas consideram que o parlamento é apenas mais uma trincheira de luta. E não a saída da crise.
O que significa trabalho de base? Significa bater de porta em porta e conversar com as pessoas, descobrindo quais são os seus problemas comuns. Daí ajudar a organizar um movimento social ao redor do problema que as une. E assim. Parece singelo. Mas não é. Vamos olhar a história. Durante o Regime Militar (1964 a 1985), as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), nasceram e cresceram na ala progressista da Igreja Católica. Foi nas CEBs que nasceu o embrião que resultou em lutas que determinaram direitos constitucionais fundamentais para o nosso atual modo de vida, nas áreas: ambiental, do consumidor, saúde pública, assistência social. moradia, política agrícola e outras. Há vários livros e documentos disponíveis na internet.
Como repórter, eu foi testemunha de muitas dessas lutas no final da década de 70. Lembro da madrugada do dia 29 de outubro de 1985. Na ocasião, 1,5 mil famílias de agricultores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam a Fazenda Annoni, uma gleba de 9 mil hectares à beira da estrada Passo Fundo-Ronda Alta. Veja bem. O MST reuniu todos os que tinham um problema comum, que era a falta de terras. O que aconteceu naquela madrugada mudou para sempre a vida dos agricultores. A pressão feita pelo MST conseguiu com que o governo assentasse centenas de agricultores, o que resultou na estruturação da agricultura familiar, que responde por um pedaço significativo da economia. A presença do MST fez desabar o preço do arrendamento de terras no Brasil. Até então, grandes proprietários investiam na compra de vastas áreas e as deixavam lá paradas se valorizando. Ou arrendavam por preços absurdos. A estratégia do MST em ocupar essas terras fez com que os seus proprietários corressem atrás de arrendatários. O preço do arrendamento baixou e. com isso. houve uma expansão das lavouras de soja. o que consolidou o agronegócio, em regiões como Cruz Alta. Toda essa história foi documentada em livros, reportagens e teses de mestrado e pode ser encontrada na internet.
Foram essas lutas – pela terra, pelo meio ambiente, pela moradia etc – em que pessoas que lutavam contra ou a favor das reformas acabaram formando uma nova geração de líderes no Brasil. Alguns desses líderes se transformaram em mártires, como foi o caso do ecologista e sindicalista Chico Mendes, de Xapuri (AC), um lutador pela preservação da Floresta Amazônica, tocaiado e morto na porta da sua casa, em 1988. Outros surgiram, como foi o gaiteiro de Miraguaí Adão Pretto (PT). que se notabilizou na luta pela terra e se elegeu deputado estadual e federal – faleceu em 2009. E o hoje senador ,o médico Ronaldo Caiado (DEM-GO), que foi um dos fundadores da União Democrática Ruralista (UDR), que defendi o interesse dos fazendeiros.
Hoje, o trabalho de base deverá resultar em movimentos novos, alguns já existem como é o caso do Lavante – que reúne jovens da periferia. Outros já estão mostrando o seu contorno, como o da moralização da atividade parlamentar, essencial para a sobrevivência do nosso modo de vida. A Lei da Ficha Limpa foi uma vitória significativa. E o que vem por aí? Uma das apostas é a retirada do foro privilegiado – responde processo no Supremo Tribunal Federal (STF) – para crimes comuns, como corrupção dos parlamentares e dos ministros. Serão essas lutas que irão formar uma nova geração de líderes. Vivemos no Brasil o fim de um ciclo político que nasceu com a queda do Regime Militar. E o que vem por aí não começa com as eleições de 2018.