O presidente Jair Bolsonaro nos vendeu a ideia, e nós jornalistas a tornamos uma verdade, de que ele não entende nada de economia e que quem trata do assunto é o ministro Paulo Guedes, a quem apelidou carinhosamente de Posto Ipiranga, uma alusão à propaganda da rede de abastecimento de combustíveis que garante ser um lugar onde tem tudo. Bolsonaro não é obrigado a entender de economia como outros que ocuparam a cadeira em que ele senta atualmente, como foram os casos de Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso. Mas, a exemplo de todos os outros presidentes, Bolsonaro entende de sobrevivência política. E a primeira regra nesse jogo é que ninguém é insubstituível. Tanto que é longa a lista de insubstituíveis demitidos, entre eles os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro. Por que Paulo Guedes seria exceção? Devido ao abalo que causaria no mercado? Os operadores de mercado sabem que faz parte do jogo, uns vão ganhar dinheiro e outros perder. É assim que as coisas funcionam.
A saída ou não de Paulo Guedes do governo tem a ver com a dimensão que irá tomar nas próximas semanas a estranha venda da carteira de crédito do Banco do Brasil (BB), cujo valor é de R$ 3 bilhões, mas que foi negociada por R$ 370 milhões para o BTG Pactual – um banco de investimentos criado por Guedes. Como isso aconteceu? Ainda não se publicou uma explicação consistente. O que publicamos é que se trata de crédito podre, como é chamado o dinheiro de empréstimos vencidos e não pagos pelos clientes. Mas não foi explicado o mais importante: qual o percentual desse dinheiro emprestado que ainda pode ser recuperado integral ou parcialmente? Essa é uma informação importante para se saber quem ganhou dinheiro com a transação entre o BB e o BTG Pactual. Outro ponto que temos de esclarecer. A estranha venda tem alguma ligação com o pedido de demissão do presidente do BB, Rubem Novaes?
O fato é que o caso tem sido manchete nos sites ligados aos grandes jornais. E também se tornou o assunto do dia entre os funcionários do BB. Nos grandes jornais e nos noticiários das TVs (cabo e aberto) a história tem aparecido muito pouco. É compreensível, levando em conta a emergência sanitária provocada pela Covid-19, que ocupa os espaços nobres dos noticiários diariamente. Não tem como não ocupar. Mas isso não significa que nós repórteres não temos o compromisso de mergulhar fundo na história da venda da carteira de crédito do BB. Por quê? Simples, é um assunto de interesse do nosso leitor, por se tratar de patrimônio público.
Antes de seguir contando a história, eu quero falar com os jovens repórteres. Há muitos anos se instalou nas redações do Brasil uma discussão entre quem é a favor da venda das empresas estatais, como o Banco do Brasil, e quem é contra. Isso sempre foi uma conversa forte entre nós. Porém, o problema da carteira de crédito do BB não tem a ver com ser contra ou a favor da privatização de estatais. Não é um caso político. É um caso de polícia. Se um bem que vale R$ 3 bilhões foi vendido por R$ 370 milhões tem que haver uma explicação. O fato de o comprador ter sido um banco fundado por Guedes é uma informação. Não se sabe o que ela significa no contexto. Isso o que dirá é a investigação policial. Agora, voltando para a história. A imprensa brasileira tem a tradição de pegar no pé dos ministros da Economia. Mesmo nos tempos da Ditadura Militar (1964 a 1985), quando havia censura prévia nos jornais, sempre que dava se jogava uma pedra na cabeça do ministro Delfim Netto, então o homem poderoso nos assuntos econômicos. Com a redemocratização do país e a volta da liberdade de imprensa começamos a tratar os ministros da Economia como técnicos de futebol. Sempre tínhamos um punhado de pedras para atirar na cabeça deles. Com Paulo Guedes não foi assim. Por quê?
A resposta é simples. O presidente Bolsonaro criou tanto rolo no seu governo que praticamente monopolizou os espaços nos noticiários. Entre os seus ministros, os que mais apareceram foram aqueles que conseguiram dizer as coisas mais absurdas. Como o então titular da Educação Abraham Weintraub, que chamou os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) de vagabundos, entre outras coisas – há matéria na internet. No meio disso tudo, esquecemos o Guedes. Ele ficou como assunto dos nossos colegas que lidam com a economia, que costumam tratar essas questões de maneira técnica. Com a decisão do presidente de se afastar, ainda não se sabe por quanto tempo, das confusões, voltamos os nossos olhos para Guedes. E por isso a história dessa estranha venda tem potencial para crescer na imprensa. Mesmo que Bolsonaro volte a fazer confusões, a questão do BB vai ficar, porque é uma munição preciosa para a oposição atirar pedras contra um governo que se elegeu pregando a moralidade administrativa.
Além dessa história mal contada da venda da carteira de crédito do BB, Paulo Guedes tem contra si o desempenho muito ruim da economia no primeiro ano do governo Bolsonaro. O desempregou não recuou. E os negócios se mantiveram discretos. A pergunta que se faz hoje é se conseguirá reerguer a economia no pós-pandemia. Ele tem dito que a reativação passa por reformas estruturais em vários setores, principalmente na administração pública federal, e pela venda de estatais. Bolsonaro disse que o ministro é o Posto Ipiranga dele. Porém, não existe apenas um posto. Trata-se de uma rede com muitos postos. É simples assim.