Falando de uma maneira simples. Até as pedras das ruas sabem que a ideia do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL- RJ), de extinção do Ministério do Trabalho não tem nada a ver com diminuir os gastos do governo. Muito pelo contrário. É um acerto de contas entre dois velhos inimigos políticos: de um dos lados, os oficiais das Forças Armadas e civis ligados ao capital internacional; e do outro, os nacionalistas – sindicalistas, políticos de esquerda e oficiais militares. Bolsonaro é capitão da reserva do Exército e hoje perfila-se na fileira dos ligados aos capitalistas internacionais. Na história brasileira, o Ministério do Trabalho é um símbolo dessa disputa entre os dois lados. O símbolo nasceu na Revolução de 1930 de Getúlio Vargas (suicidou-se em 1954). Vargas fundou o Ministério, o antigo PTB e a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Vargas governou o pais até 1945, sendo 15 anos como ditador.
Os derrotados e seus descendentes da Revolução de 30 reagruparam e deram o Golpe Militar de 1964, que durou até 1985. Um exemplo: em 1930, um coronel do Exército chamado Euclides Figueiredo (falecido em 1963) foi preso pelos revoltosos. Um dos filhos dele, o general João Batista Figueiredo (falecido em 1999), em 1964 participou da conspiração que resultou no golpe que derrubou o presidente da República João Goulart, o Jango do antigo PTB. Figueiredo foi o último presidente militar do Brasil (1979 a 1985). Claro, nenhum dos militares da reserva e dos civis que fazem parte do grupo político do Bolsonaro era nascido na Revolução de 1930, e eles eram crianças no Golpe Militar de 1964. Não é por aí que as coisas acontecem. As coisas acontecem por aqui. O presidente eleito e o seu vice, o general da reserva Hamilton Mourão, viveram na caserna – quartéis do Exercito. E faz parte da cultura da caserna a história de 1964. Não é por outro motivo que Bolsonaro e Mourão defendem os ideais dos golpistas de 64, como a memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (falecido em 2015), o homem que organizou a tortura nos porões do regime militar – há um vasto material disponível na internet sobre o assunto.
Os militares que governaram o país até 1985 não desmontaram o Ministério do Trabalho e, muito menos, fizeram mudanças significativas na CLT. Para isso, quem chamou a minha atenção foi o general Newton Cruz, 94 anos, homem forte do Regime Militar, durante uma entrevista que fiz com ele, em 2010, que faz parte do livro “Os Infiltrados – Eles eram os olhos e ouvidos da Ditadura”, escrito em parceria com os colegas Carlos Etchichury, Humberto Trezzi e Nilson Mariano. O desmonte da CLT começou nos governos civis, na década de 90, e se aprofundou com o atual presidente da República, Michel Temer (MDB – SP). É bandeira política do novo governo aprofundar a reforma trabalhista. Caso tenha sucesso, essas reformas iriam esvaziar o Ministério do Trabalho ao natural. Sem maiores desgastes políticos para o governo. Agora, por qual motivo o grupo político do novo presidente resolveu apressar o processo, extinguindo o Ministério do Trabalho, um símbolo da Era Vargas?
A resposta está nos livros da história recente do Brasil. Com a democratização do país, que começou em 1985, com a queda dos militares do poder os sindicatos dos trabalhadores recebiam recursos econômicos garantidos pela CLT e começaram a usar esse dinheiro para financiar a luta dos seus associados por melhores salários. Nessas lutas surgem as lideranças que irão se tornar quadros dos partidos e dos movimentos sociais de esquerda. Foi ali, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, que surgiu Luiz Inácio Lula da Silva, o homem que fundou o PT e foi presidente da República (2003 a 2011). No meio rural, foi nos sindicatos dos trabalhadores rurais que surgiram os esteios que ajudaram a erguer organizações populares envolvidas com luta pela terra, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Aqui, é o seguinte: o PT foi herdeiro de quadros políticos importantíssimos do antigo PTB, de Getúlio Vargas. Assim como o MST herdou pessoas importantes dos antigos grupos que lutavam pela terra, como o Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master), do Rio Grande do Sul, que era ligado ao PTB de Vargas.
E a fiscalização do cumprimento da CLT é tarefa do Ministério do Trabalho. Daí o fato de a pasta ter crescido de importância durante esses últimos anos, principalmente na Era Lula. Na visão do grupo de Bolsonaro, o Ministério do Trabalho protege um berçário de militantes de esquerda. Portanto, apressando o seu fim, evita-se o surgimento de novos líderes que podem atrapalhar o projeto político do novo governo. Mas a questão não é tão simples assim. Tem vários efeitos colaterais que precisamos explicar a nosso leitor. Um deles. A extinção do ministério detona o sistema de fiscalização do trabalho escravo. O problema é sério. Em São Paulo, há centenas de imigrantes ilegais que são usados como mão de obra barata em confecções. Nas fazendas espalhadas pelos sertões do Brasil, principalmente no Pará, também existem muitas propriedades que contratam uma empresa terceirizada para trabalhar. Só para lembrar: em 2004, os auditores do Trabalho Eratóstenes de Almeida Gonsalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva mais o motorista Ailton Pereira de Oliveira foram tocaiados e mortos na cidade mineira de Anaí, quando investigavam trabalho escravo nas fazendas da região. Tudo o que escrevi são pequenos detalhes perdidos na vastidão da história. Detalhes que precisam ser garimpados pelos repórteres e contados aos seus leitores. Essas informações ajudam a entender o quadro atual da política brasileira. Encontrar os elos perdidos do conhecimento de um fato é uma das razões da existência do repórter.