Nos dias seguintes ao discurso do presidente da República Jair Bolsonaro (PSL-RJ) na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) é consenso entre os analistas políticos e econômicos que ele deixou escapar uma grande oportunidade de explicar, de maneira convincente, as queimadas da Floresta Amazônica às lideranças mundiais. E com isso tornou real o perigo de um boicote dos consumidores ao redor do mundo aos produtos do agronegócio do Brasil, um dos esteios da economia nacional.
Deixando de lado todas as questões que envolveram o discurso de Bolsonaro, e focando apenas na forma como os conteúdos dos noticiários sobre a ameaça do boicote vêm sendo transmitidos para agricultores, pecuaristas e criadores de aves e suínos, a constatação é que, com exceções que podem ser contadas nos dedos de uma mão, as informações que estão chegando a esse público são incompletas, de baixa qualidade e confusas. Vou explicar o motivo.
E quais são as minhas credenciais para oferecer tal explicação? Tenho 69 anos, 40 e poucos de reportagem, sendo uns 30 e tantos trabalhando em redação. O meu currículo é bem nutrido – disponível na internet. Lá constam vários livros publicados, dos quais cito três: O Brasil de Bombachas (1996), O Brasil de Bombachas – As novas fronteiras da saga gaúcha (2011) e De Pai para Filho na Migração Gaúcha (2019). Os três livros contam a história do povoamento das fronteiras agrícolas do país. Conheço o interior do Brasil de lado a lado, de costa a costa. Isso me autoriza a conversar com os meus colegas repórteres, tanto os velhos quanto os jovens que estão começando na carreira e vivendo “na correria diária”. Por todas as pesquisas que leio e pelo conhecimento que tenho de andar pelos interiores, a fonte de informação da maioria dos produtores rurais ainda são os noticiários das TV abertas, disponíveis via antena parabólica. Depois vem a “rádio cachaça”, como chamam a emissora local. Os grandes jornais, pelo seu lado, publicam pequenas notícias econômicas e suplementos rurais semanais sobre tecnologias para o campo. Assim tem sido o tratamento dado ao leitor agricultor, pecuarista e criador de aves e suínos.
Nos últimos 30 anos, a globalização da economia e o surgimento de novas tecnologias na área da comunicação mudou o modo de vida dos produtores rurais. Mas os conteúdos das notícias continuaram os mesmos. Vejamos o seguinte: todos os noticiários falam que, caso se concretize o boicote aos produtos brasileiros, o agronegócio vai se ferrar. O que é o agronegócio? Nos últimos anos, a palavra passou a ser sinônimo de grandes produtores de grãos, principalmente de soja. Sim, eles vão se ferrar. “Mas vai sobrar para todo mundo, do grande sojicultor até o plantador de flores”, ilustrou um amigo e grande produtor de grãos do chamado Nortão do Mato Grosso.
Aqui chegamos a um ponto importante da história que estou contando. Os pequenos e médios produtores brasileiros que povoam o oeste do Paraná e de Santa Catarina e o norte do Rio Grande do Sul dividem a sua propriedade em produção de grãos e proteína animal – aves, suínos e gado leiteiro. Praticam o que se chama de agricultura familiar. As aves, os suínos e o leite são as principais-matérias das agroindústrias que geram centenas de empregos nessas regiões.
As agroindústrias vendem os seus produtos para a América do Norte, a Europa, a Ásia e o Oriente Médio. Se houver um boicote será um caos na economia do interior do Brasil. Por quê? Simples: elas trabalham de maneira integrada com os produtores, fornecendo os animais, a ração, as medicações, e os compram quando estão prontos para o abate. Um boicote faria as agroindústrias interromper o fornecimento de ração para os animais e milhares deles morreriam de fome nas propriedades rurais. Já vi acontecer. Como também já vi centenas de pessoas ficarem sem os seus empregos pelo fechamento de agroindústrias.
Essa é a realidade. E dentro dela é importante os produtores estarem bem informados. Precisam saber, e de maneira simples e direta, que as queimadas na Floresta Amazônica podem sobrar para eles. As grandes empresas de comunicação não mexerão nos seus conteúdos por causa dos produtores. Mas e a imprensa do interior? Eu acompanho os noticiários do interior do Brasil. A maioria parece ser feita em outro planeta, tal é a alienação em relação ao está acontecendo. Claro que há exceções. Mas são poucas. E muitas dessas poucas são de jovens empresários do setor da comunicação que estão vendo uma oportunidade de negócios nesse vazio de informação. É simples assim.