
Em 1936, nascia em Buenos Aires, Argentina, um menino que foi batizado como Jorge Mario Bergoglio. Na madrugada de segunda-feira (21/04), morreu, em Roma, Itália, o papa Francisco. Toda a trajetória do menino de Buenos Aires até se tornar papa, em 2013, está sendo contada em todos os meios de comunicação ao redor do planeta. Líderes de todas as religiões, de vários países, incluindo as pessoas comuns, se manifestaram sobre a grande capacidade do pontífice em promover a união entre os contrários. Vou citar uma destas ocasiões. Em 2013, ele esteve no Brasil, quando participou de uma série de eventos, entre eles a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), e concedeu uma entrevista para o jornalista da Rede Globo Gerson Camarotti, 51 anos. Simpático e muito atento às perguntas, ele assim respondeu quando Camarotti lhe perguntou se a rivalidade histórica existente entre brasileiros e argentinos era um problema. “O assunto está pacificado”, brincou Francisco. “O papa é argentino e Deus é brasileiro.”
Tomei a liberdade de só publicar o essencial da pergunta e a resposta para encaminhar a nossa conversa. O Papa Chico, como era chamado pelos brasileiros, conseguia navegar e encantar as pessoas mesmo nos ambientes que lhe eram mais hostis por ser um dos maiores comunicadores de massa que conheci. Ele olhava ao seu redor e analisava o ambiente para depois falar. A arte da comunicação é um dom que nasce com poucos. E um número ainda menor consegue desenvolvê-la. Francisco foi um deles. Foquei a conversa sobre a morte do papa na questão do comunicador para usá-la como gancho para o assunto que vou compartilhar com os leitores e os colegas da lida “reporteira”. No fim de semana tive uma conversa com o dono de uma pequena empresa prestadora de serviços na área da construção civil. Começamos falando de futebol e outras amenidades. No meio do papo, perguntei-lhe sobre como andava o trabalho. A fisionomia dele mudou. Disse que estava perdendo clientes por não conseguir mão de obra. Respondi que não era o único no país. E que a falta de trabalhadores se devia à taxa de desemprego, de 6%, ser uma das baixas da história. Ele respondeu: “Coisa nenhuma. É por causa do Bolsa Família, eles preferem ficar em casa a trabalhar e perder o benefício”. Não retruquei. Mudei de assunto. Nas horas seguintes consultei mais três prestadores de serviço em cidades da Região Metropolitana e outros no interior do estado que trabalham com safristas – pessoas especializadas em colheitas. Ouvi deles opinião semelhante. Já tinha ouvido essa conversa em outras épocas.
Essa conversa sempre existiu e circula com mais força nos momentos em que a economia está aquecida. Por qual motivo? Primeiro, vamos contextualizar a história do Bolsa Família, como manda o manual do bom jornalismo. No governo (1995 – 2003) do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), 93 anos, existiam vários programas de renda, como Vale Gás, Fome Zero e outros. No primeiro governo (2003 – 2011) de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos, todos esses benefícios e outros foram reunidos em um único programa, o Bolsa Família, pela Medida Provisória 132, de outubro de 2003, que no ano seguinte virou a Lei Federal 10.836. A regra básica para ter direito ao benefício é de que a renda máxima de cada membro da família seja de R$ 218. Sou um velho repórter estradeiro, 75 anos, uns 40 de profissão, sendo três décadas e pouco em redação de jornal. Sempre acompanhei de perto a disputa política no país. Não me lembro de nenhum candidato a cargo executivo defender o fim do Bolsa Família durante a campanha eleitoral. Embora sempre surgirem boatos de que determinado candidato vai acabar com o benefício, que são imediatamente desmentidos. Termino aqui a contextualização. Reinicio a nossa conversa respondendo à questão relacionando a falta de mão obra com a existência do Bolsa Família. Economistas, analistas e especialistas no assunto atribuem a carência de mão obra ao aquecimento do mercado de trabalho. Um deles me fez a seguinte observação: “Por que ficar num emprego se há outros pagando melhor?” Olha, o Bolsa Família existe em todos os 5.570 municípios brasileiros, onde vivem 20,5 milhões de famílias beneficiadas, segundo dados de abril do governo federal. Em média, cada família recebe R$ 668,73, o que representa para os cofres públicos um custo de cerca de R$ 13,7 bilhões mensais. O programa ajuda principalmente na segurança alimentar de crianças e adolescentes, que formam a maioria dos beneficiados. Mas também enfrenta alguns desafios. A Polícia Federal (PF), por exemplo, está investigando a denúncia de que 3,4% dos beneficiários tenham seus CPFs usados em sites de apostas – matérias na internet.
Antes de existência das redes sociais, uma informação como a que atribui a falta de mão de obra ao Bolsa Família circulava entre um número restrito de pessoas. Isso acabou. Nos dias atuais, existe a chance real de se tornar notícia nos jornais. A história do Bolsa Família mostra que o benefício é resultado de lutas populares que vêm de longe. Portanto, precisa ser preservado. E o caminho para a sua preservação é fazer uma campanha de esclarecimento público. Tenho escutado ministros e o próprio Lula falarem sobre o programa no meio de um ou outro pronunciamento. O ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), Sidônio Palmeira, 67 anos, é publicitário, e conhece o potencial que essa história tem para se tornar um grande problema. Também sabe da importância do Bolsa Família para os pobres. Portanto, é urgente esclarecer o assunto. O ministro poderia se inspirar no papa Francisco, que como grande comunicador que era não deixava bola picando na área.