Muito mais influenciada pelo desejo do que pela realidade, circula no meio dos jornalistas uma encorpada conversa de que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) começa a deixar de lado a truculência no seu modo de agir, passando a adotar maneiras mais civilizadas de resolver os assuntos da política. O político Bolsonaro nasceu, se criou e chegou a presidente do Brasil agindo de maneira truculenta. Por que iria mudar agora? Parte da resposta para essa pergunta anda circulando nas conversas entre os jornalistas. E diz respeito à opinião de economistas e grandes empresários de que, para alavancar a economia pós-pandemia no Brasil, serão fundamentais duas coisas: estabilidade política e o andamento das reformas (administrativa e outras). O grande problema é a estabilidade política. Nos seus quase dois anos de governo, cada vez que o presidente abriu a boca provocou um tumulto no mercado e uma crise na disputa política. Como se dizia nas redações dos jornais na época das ruidosas máquinas de escrever, o presidente é um “boca de conflito”.
Nós repórteres temos que passar para os nossos leitores a real. E qual é a real? No início do seu governo, os grupos políticos que elegeram o presidente tentaram criar ao redor dele uma equipe com a função de explicar para a imprensa o que ele queria dizer sempre que falava um absurdo. Aos poucos foi se cristalizando na opinião pública a ideia de que Bolsonaro era uma “rainha da Inglaterra”, que ostenta um título, mas não governa. O presidente reagiu e aos poucos foi tomando conta do seu governo, demitindo ministros, chutando as canelas dos jornalistas e proferindo desaforos para os adversários. E não pensou duas vezes em perfilar-se ao lado dos seus seguidores que pediam o fechamento de instituições como o Supremo Tribunal Federal (STF). No final de 2019, o primeiro ano de governo de Bolsonaro, todos os dias havia um “rolo” que acabava nas manchetes dos noticiários. O governo era como um carrinho de uma montanha-russa. Ou seja: no final de 2019, o governo era a cara do presidente.
Em janeiro, o mundo curvou-se ao coronavírus, menos Bolsonaro. Enquanto o vírus matava centenas de pessoas ao redor do mundo, inclusive no Brasil, e os caixões das vítimas eram mostrados nos noticiários noturnos das TVs, o presidente do Brasil mergulhava o seu governo no negacionismo – há matérias sobre o assunto. O que pode ter custado a vida de centenas de brasileiros. Aqui chegamos ao xis da história que estou contando. A minha pergunta é a seguinte: por que um presidente que não deu a mínima para um vírus mortal que mata diariamente centenas de pessoas vai se importar com a estabilidade política do país? Antes da responder, há alguns fatos que considero importante destacar. O que vou escrever não é opinião. Mas informações que temos publicados em nossas reportagens. Para garantir que chegará ao fim do seu mandato caso um dos 30 pedidos de impeachment engavetados na Câmara dos Deputados vá à votação, Bolsonaro colocou no governo 3 mil militares da reserva e da ativa das Forças Armadas e das polícias militares. E também costurou uma aliança com os deputados do Centrão. Agora respondendo à pergunta. O presidente não se preocupou que sua postura perante o vírus tivesse como consequência o alastramento da doença no Brasil. Também não irá deixar de dormir porque o seu comportamento beligerante irá contribuir para a instabilidade política e, com isso, atrasar a volta ao normal da economia. Isso é um fato.
A maneira do presidente governar ganha musculatura dentro de um ambiente em crise. E caos, caso se confirmem as previsões dos economistas, é o que não faltará no pós-pandemia. Lembro que o grosso das informações que circulam nos noticiários são produzidas por jovens repórteres que desempenham um enorme número de funções nas redações. Portanto, não têm tempo de verificar as informações. Alerto que fiquem com o pé atrás para essa conversa que vem ganhando corpo no nosso meio, de que Bolsonaro agora é “paz e amor”. Não é. Ele é o Boca de Conflito.