Entre os jornalistas existem muitas definições do que é reportagem. Uma das minhas preferidas é a que a compara a uma linha de costura que, enfiada em uma agulha, une os fatos como se fossem pedaços de um tecido para a confecção de uma roupa. É sobre isso que vamos conversar. Começo afirmando que em nenhum momento da história dos últimos 75 anos o volume de acontecimentos foi tão grande e diversificado como o que se apresenta no atual dia a dia dos brasileiros, muito por conta da pandemia causada pela Covid-19 e pela política negacionista em relação ao poder de contaminação e letalidade do vírus por parte do presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), conhecido entre os repórteres como “Boca de Conflito”, pessoa que, sempre que fala, provoca uma confusão. Dentro dessa realidade, centenas de fatos flutuam pelos noticiários. Para facilitar a vida do leitor é sempre recomendado que vez ou outra os jornalistas façam uma matéria relacionando os acontecimentos. Nos tempos das barulhentas máquinas de escrever nas redações e quando só existiam o jornal papel e os noticiários de rádio e TV, havia a prática de se publicar nos fins de semana uma reportagem especial fazendo as ligações entre os episódios mais importantes. Esse tipo de matéria exigia do repórter um conhecimento muito profundo dos fatos. Se o jornalista se limitasse a fazer apenas uma descrição dos fatos sem contar o seu bastidor, a reportagem recebia o nome de “cozidão”, um relato sem novidades.
Pelo que temos publicado, o Brasil está às portas de um apagão no sistema elétrico por conta da falta de chuva nas regiões das barragens que alimentam as usinas hidrelétricas. Logo que o presidente da República assumiu, uma das suas primeiras medidas foi acabar com o horário de verão, que foi implantado no país em 1931 por Getúlio Vargas com o objetivo de poupar energia elétrica. Bolsonaro revogou o horário em 2019. Pergunta que precisamos responder ao leitor: qual a influência da revogação do horário de verão sobre a atual situação do sistema elétrico? No momento em que os técnicos estão contando os pingos de água nas barragens essa informação interessa. Pelo que noticiamos na ocasião, o presidente revogou o horário sem dar maiores explicações e nós repórteres também não fomos a fundo na questão. Não lembro de ter lido algum conteúdo jornalístico explicando se a decisão do presidente foi tomada com base em algum estudo ou simplesmente ele decidiu fazer e fez. Sabemos que a falta de chuvas, chamada pelos burocratas do governo de “crise hídrica”, não chegou assim do nada. Faz pelo menos quatro anos que os meteorologistas vêm alertando para a carência de chuvas nas regiões das grandes hidrelétricas do Brasil, como o oeste do Paraná, onde fica a usina de Itaipu. Ou seja: quando Bolsonaro assumiu o governo, o problema de carência de chuvas já existia. Os técnicos do setor não falaram para a nova administração sobre o problema? Aqui nós jornalistas sabemos o seguinte. Pelo fato da atual administração federal ter espalhado pelas repartições públicas, inclusive as empresas estatais, mais de 6 mil militares de várias patentes, incluindo generais, houve uma descontinuidade em vários setores. Isso aconteceu no setor elétrico? Ou simplesmente os técnicos avisaram e não foram levados a sério?
Outro fato. Um assunto que vem rolando há um bom tempo entre os cientistas e ecologistas ao redor do mundo: a influência da devastação da Floresta Amazônica no clima. A devastação vem de longe. E o atual governo tem contribuído significativamente para aumentar o problema, despertando atenção dos governos ao redor do mundo. Como foi o caso do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden (democrata), que alertou o presidente Bolsonaro de que o país pode sofrer retaliações caso a devastação da floresta persista. E ela persiste. Tanto que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, está sendo investigado pela Polícia Federal (PF) por supostamente estar envolvido com o comércio ilegal de madeiras da Floresta Amazônica. O que os técnicos e cientistas estão pensando sobre a situação da Amazônia e o futuro do clima no mundo? É uma boa hora de se conversar sobre o assunto. Há outro fato que devemos esclarecer para o nosso leitor. Caso aconteça o pior: racionamento de energia elétrica e água. O governo federal tem capacidade técnica e política para lidar com o problema? Considerando a lambança que o presidente da República e os seus ministros fizeram na administração da crise provocada pela pandemia, que já causou 470 mil mortes de brasileiros, devemos perguntar: o governo federal conseguirá administrar uma crise no setor elétrico e de abastecimento de água? Temos que começar a debater o assunto.
Arrematando o assunto. Como falei no início da nossa conversa. Frente à enxurrada de fatos que acontecem diariamente no cotidiano do brasileiro é necessário começarmos a construir reportagens que expliquem “o que se liga a que” para facilitar a vida do leitor. É importante para nós repórteres termos em mente que a indústria das fake news prospera quando os fatos são soltos no ar. Toda vez que contextualizamos os assuntos causamos um problema para a indústria da fake news e nos tornamos relevantes para o nosso leitor. Lembro aos meus colegas que ser relevante ao leitor é a razão de sermos repórteres.
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A resposta sobre o horário de verão está nessa entrevista de um ex diretor da ANA: não faz diferença https://www.youtube.com/watch?v=bCIUs3suOCM
Fa diferença para os bares e restaurantes, grandes empregadores de mão de obra