Por ser um dos países do mundo que mais abrigam interesses do Brasil, há uma grande curiosidade dos brasileiros em conhecer os bastidores dos fatos que levaram a população a invadir e colocar fogo no Congresso paraguaio na sexta-feira. Durante o protesto morreu, com um tiro na cabeça, Rodrigo Quintana, 25 anos, presidente da juventude do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA). Oficialmente, falam que o protesto foi contra a aprovação da emenda constitucional da reeleição do presidente da República.
Mas nem tudo é o que aparenta ser no Paraguai, país que viveu uma das mais sangrentas ditaduras militares da América do Sul, a do general Alfredo Stroessner (1954-1989), que deixou como herança aos paraguaios o seu país ser sinônimo de corrupção e de produtos falsificados. A lista de interesses do Brasil é extensa: lá vivem um milhão de brasileiros (500 mil agricultores “brasiguaios”), a Binacional Itaipu (hidroelétrica), que fornece 17% da energia consumida no Brasil), contrabando (cigarros falsificados, roupas, peças de informática e remédios), e esconderijos para as organizações criminosas brasileiras (Primeiro Comando da Capital – PCC, de São Paulo e Comando Vermelho – CV, do Rio de Janeiro) que abastecem o país de cocaína, maconha, armas e munição. E, por último, o Paraguai é o maior consumidor de veículos roubados e furtados no Brasil.
Esse é o contexto. O grosso da economia paraguaia, a legal e a ilegal, gira ao redor dos brasileiros que vivem lá. Conheço bem o país. A primeira vez em que estive lá foi em 1984, fazendo reportagem, e tenho voltando lá de dois em dois anos. A última foi agora, em janeiro de 2017, trabalhando em nova edição do meu livro País Bandido, outra publicação que tenho sobre o Paraguai e os Brasiguaios, homens sem pátria. Há dois personagens envolvidos no que aconteceu no Congresso que têm ligações com o Brasil. O presidente da República do Paraguai, o empresário Horacio Cartes, eleito em 2013 para um mandato de cinco anos, é dona da Tabacalera del Este, que é uma das empresas apontadas como sendo uma das responsáveis de abastecer o mercado brasileiro com milhares de caixas de cigarros falsificados. Carpes se elegeu pelo Partido Colorado – o mesmo do falecido general Stroessner. Ao se tornar presidente, Cartes se livrou da acusação de ser contrabandista de cigarros.
O outro personagem envolvido no episódio é o senador Roberto Acevedo (PLRA). Ele é presidente do Senado do Paraguai. Conheci-o em 2010, em Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia separada por uma avenida de Ponta Porã, município no Oeste do Mato Grosso do Sul. Na ocasião, Acevedo tinha sido vítima de um atentado feito à bala, que teria sido a mando do PCC. Os então presidentes do Brasil, Luiz Inácio da Lula da Silva (PT), e do Paraguai, o bispo Fernando Lugo, encontraram-se na fronteira como um sinal de demonstração de força contra as organizações criminosas brasileiras instaladas na área. Nos bastidores, a conversa era de que o senador virara alvo por defender inimigos do PCC.
Qual a influência que os currículos de Acevedo e de Carpes têm a ver com o que aconteceu no Congresso na sexta-feira? A pergunta será respondida pelo tempo. Muito embora os brasileiros que vivem lá dominem a economia – tanto a legal quanta ilegal –, a política é feita pelos paraguaios. Ali e aqui estão começando a aparecer, no cenário parlamentar, descendentes de migrantes do Brasil. E sempre que os paraguaios brigam, os migrantes pagam o pato.