Há uma “briga de cachorro grande” entre as empresas de jornais, rádio e TV com os influenciadores digitais, conhecidos como influencers, pelos anúncios das “bets”, como são conhecidas as casas de aposta online. Esta disputa foi reforçada na terça-feira (1°/10), com a divulgação, pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (SPA–MF), de uma lista de 93 empresas, proprietárias de 205 bets, autorizadas a operar no território nacional, e outras 18 a nível estadual. A lista pode mudar até o final do ano, quando se encerra o prazo para o credenciamento das empresas. Na semana passada, o governo federal resolveu antecipar a divulgação da lista, que estava prevista 2025, por conta de um documento do Banco Central informando que em agosto os beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões via Pix em jogos online. E pela notícia divulgada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) de que 1,3 milhão de brasileiros ficaram inadimplentes no primeiro semestre de 2024 devido a apostas nos jogos online.
Antes de seguir, lembro que nas redações dos tempos das máquinas de escrever e das nuvens de fumaça dos cigarros se usava nos textos a expressão “briga de cachorro grande” para dizer que se tratava de gente importante. Voltando à história. Além da antecipação da divulgação da lista das bets, tratativas sobre como elas deverão funcionar estão sendo feitas entre o governo, o Congresso, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) e várias outras entidades de classe – matérias na internet. Foi determinado que dentro de 10 dias os outros 600 sites de apostas que operam no país e que não encaminharam a sua legalização deverão ter os seus acessos derrubados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) – matérias na internet. Empresários do setor têm destacado que, na verdade, operam no território nacional mais de 2 mil sites de apostas. Não é de se duvidar. Em janeiro, quando começou essa história, fiz o post Bicheiros vão só assistir aos estrangeiros entrarem no mercado de apostas no Brasil? No início de setembro, a Polícia Civil de Pernambuco respondeu à pergunta na Operação Integration, deflagrada para combater a lavagem de dinheiro. Os bicheiros, de fato, não ficaram parados. Eles montaram as suas bets e as estão vitaminando com a lavagem do dinheiro do jogo do bicho e de outras falcatruas. Os policiais descobriram que Darwin Henrique da Silva Filho, CEO da Esporte da Sorte, estava envolvido com a lavagem de dinheiro dos bicheiros. E que contratou o cantor sertanejo Gustavo Lima e a advogada e influenciadora digital Deolane Bezerra Santos para facilitar a operação. O cantor foi indiciado pela polícia e Deolane está em liberdade vigiada – a história toda está na internet.
É conversa corrente entre os publicitários que até agora os responsáveis pelas bets têm dado preferência em contratar influencers para fazer a sua publicidade. Por vários motivos. Um deles seria a lavagem de dinheiro. As empresas donas de jornais acreditam que a legalização da operação das casas de aposta é uma oportunidade de virar o jogo e pegar um pedaço considerável das verbas publicitárias das bets, que somam quase R$ 2 bilhões por semestre. Confiam nisso por acreditarem que serão feitas exigências muito duras para a propaganda dos jogos que só elas teriam possibilidade de cumprir. Aqui é o seguinte. Desde que os jogos online foram liberados no Brasil, os influencers fizeram poucas e boas. Mas os jornalistas também. Muita gente, por sua conta e risco, enfiou no meio dos seus comentários dicas para os apostadores. Misturando jornalismo com publicidade. Lembro que foram as redações dos jornais que ajudaram a construir o mito de que os bicheiros eram pessoas honestas porque honravam o resultado das apostas. Não era bem assim. Os banqueiros eram donos das lotéricas que sorteavam os números premiados no jogo do bicho. Em 1993, a juíza carioca Denise Frossard, 73 anos, prendeu os 14 maiores bicheiros do Brasil e os condenou a seis anos de cadeia por pertencerem a uma organização mafiosa. As prisões iniciaram um processo de afastamento das redações da influência dos bicheiros. Como expliquei no post que publiquei na terça-feira (1º/10), Jogador compulsivo é questão de saúde pública. Função do governo é regular os jogos online, a regulamentação dos jogos no Brasil é fundamental para o país acabar com muitas das distorções que acontecem nesse ramo de atividade, incluindo a maior delas: a corrupção policial para proteger os bicheiros.
Sou um velho repórter estradeiro e não tenho ilusões sobre a existência de um mundo perfeito. Fazendo reportagens pelos sertões do Brasil e em países vizinhos, vi muita coisa. No atual momento da história, lidamos com enxurradas de fake news injetadas segundo a segundo nas redes sociais. Dentro dessa realidade, é fundamental ter um jornalismo que ofereça ao leitor uma informação correta. Garimpar uma informação não custa barato. Mas não é preciso vender a alma para o diabo. Portanto, quanto mais distante a informação jornalística ficar da influência dos empresários das casas de aposta, melhor para todo mundo. Estes empresários são pessoas que estão na estrada há bastante tempo e sabem as regras do jogo. Vou reforçar o que já disse e tenho mania de repetir sempre que surge uma oportunidade. A legalização dos jogos de azar no Brasil é fundamental para acabar com uma série de distorções jurídicas e corrupção. Só para constar. As apostas online foram legalizadas em 2018 pelo então presidente da República Michel Temer (MDB), 84 anos, mas não foram regulamentadas pelo seu sucessor, Jair Bolsonaro (PL), 69 anos. Foi só o sucessor de Bolsonaro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 78 anos, que, em 2023, editou uma medida provisória iniciando a regulamentação das apostas online. O rolo das apostas feitas pelos beneficiários da Bolsa Família apressou o processo de legalização.