Se não mudar nada no atual quadro da disputa política, a eleição presidencial irá se decidir no detalhe. Isso significa que o peso da “máquina partidária” será decisivo. Daí a necessidade de esmiuçarmos para os nossos leitores como ela funciona no Brasil, um país continental onde a opulência e a miséria convivem a poucos metros uma da outra. E a tecnologia de ponta nos equipamentos de comunicação é privilégio de quem vive nas regiões metropolitanas. Os moradores das cidades do interior, mesmo as ricas, ainda enfrentam sérios problemas para se conectarem ao resto do país. O perfil da disputa indica que os votos do sertão irão fazer a diferença. O tamanho da “máquina partidária” é sinônimo de maior, ou menor, capilaridade da proposta do candidato. Saber como ela funciona facilita o entendimento do repórter e melhora a qualidade do conteúdo que ele irá passar para os leitores.
Lembro que, quando comecei trabalhar em redação, em 1979, foi fundamental para a minha carreira ouvir dos colegas mais velhos explicações sobre coisas desse tipo. Hoje, com o enxugamento das redações, a presença do velho repórter é cada vez mais rara. E como nem todas as explicações estão disponíveis no Google, eu sou de opinião que é bom conversarmos sobre algumas particularidades do assunto. Antes de seguir contando a história, é fundamental esclarecer uma coisa: máquina governamental é uma coisa – é o uso dos empregos e dos serviços do estado pelo partido, ou pela coalizão partidária, que ocupa o poder para ganhar votos. E a “máquina partidária” é outra coisa – é a estrutura do partido que é usada para convencer o eleitor de votar na sua proposta de governo. Essa estrutura tem dois personagens principais: o militante, que é o guardião da ideologia e das bandeiras defendidas pelo partido. E o cabo eleitoral, que é a pessoa que é contratada para bater de porta em porta na busca de votos. As duas máquinas podem ser aliadas, quando o partido faz parte do governo, ou adversárias, nas ocasiões em que o estado é ocupado pelos adversários políticos.
Dadas as explicações, vamos à história. O militante é o esteio do partido. Nas agremiações pequenas, que geralmente operaram nas extremas direita e esquerda, ele trabalha pela ideologia . E o chamamos nas redações de “militante ideológico”. Nessas agremiações, os cabos eleitorais são apoiadores políticos. Nos partidos que começaram pequenos e hoje são grandes agremiações, os militantes ideológicos geralmente se concentram no grupo dos fundadores. O restante deles são profissionais que buscam resultados: votos. E aqui temos algumas particularidades. O combustível que move a “máquina partidária” é o dinheiro. Mas não adianta ter dinheiro se não tiver uma estrutura de diretórios, cabos eleitorais e pesquisas para orientar a busca do voto, principalmente lá no sertão do Brasil. Vejamos. Os grandes partidos têm condições de mandar um cabo eleitoral lá em uma cidadezinha da fronteira do Brasil com o Paraguai bater na porta de uma família e conversar com eles. Esse tipo de procedimento é muito eficiente. E a história tem nos ensinado que ele pode decidir uma eleição. Lembramos que, de uma maneira ou outra, todos os candidatos que têm alguma chance na disputa pela presidência conseguem espaços para vender o seu peixe para os moradores dos grandes centros, seja nos programas do horário político, nas entrevistas para os grandes jornais e nas redes sociais. Agora só três partidos envolvidos na atual disputa têm “máquina partidária”: PT, PSDB e MDB.
Aqui há um assunto que estamos deixando passar batido: a Reforma Trabalhista. Através dos tempos, os sindicatos, especialmente o de trabalhadores, sempre colocavam a sua máquina administrativa a serviço dos seus candidatos. Nas grandes cidades, o apoio dos sindicatos era mais um para os partidos. Mas nos sertões ele era fundamental, porque o sindicalista era a pessoa que conhecia todos os moradores do interior. A Reforma Trabalhista esvaziou o cofre dos sindicatos, e isso imobilizou a estrutura que era colocada à disposição do candidato sem custo algum. Os religiosos – padres e pastores – que, durante o Regime Militar (1964 a 1985), foram um elo fundamental entre os moradores do interior e as cúpulas partidárias, vêm perdendo força nos últimos anos. Mas ainda são importantes. Um pedido de voto em uma missa ou em um culto ainda funciona.
O que nós, repórteres, temos que ficar atentos é que as avaliações disponíveis nos noticiários e nas redes sociais sobre a disputa eleitoral mostram o que acontece no Brasil, às margens do Oceano Atlântico, onde estão os grandes colégios eleitorais. Mas há outro Brasil que se estende pelo Oeste, um lugar que, geralmente, fica fora dos conteúdos dos grandes noticiários. Portanto, é uma arrogância dos analistas pegarem as avaliações feitas no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Minas Gerais, em Porto Alegre, em Curitiba e nos Estados do Nordeste e acharem que vale para todo o Brasil. Arrogância é um erro mortal em uma reportagem. A história mostra isso.