A mensagem do Julgamento de Nuremberg aos bolsonaristas no governo

A frase mais usadas pelos líderes nazistas no tribunal: “eu obedecia ordens”. Foto: Reprodução

Uma frase curta e direta que entrou na história da humanidade: “Eu obedecia ordens”. Ela foi repetida inúmeras vezes pelos líderes nazistas da Alemanha durante o Julgamento de Nuremberg, como argumento para se eximirem de suas responsabilidades pelo massacre de milhares de pessoas durante a Segunda Guerra Mundial. O Julgamento de Nuremberg foi um marco civilizatório para o mundo. De 20 de novembro de 1945 a 1º de outubro de 1946, os Aliados, como ficaram conhecidos os países que lutaram e venceram o Eixo formado por Alemanha, Itália e Japão, julgaram 117 líderes nazistas por crimes cometidos durante o conflito que durou de 1939 a 1945 e deixou um saldo estimado entre 70 e 85 milhões de mortos. Nos seus campos de concentração, os nazistas mataram mais de 6 milhões de judeus, ciganos, deficientes, adversários políticos e prisioneiros de guerra. Somente em Auschwitz, um dos campos de extermínio erguidos na Polônia, foram assassinadas 1,3 milhão de pessoas. O Julgamento de Nuremberg gerou o Tribunal Penal Internacional (TPI), que funciona em Haia, Holanda, e nos dias atuais se encarrega de julgar crimes contra a humanidade, como genocídios. É sobre a mensagem deixada por Nuremberg que quero conversar com os meus colegas repórteres, especialmente os jovens que estão na correria da cobertura do dia a dia nas redações.

Antes de começar a contar a história vou atar algumas pontas na nossa conversa que julgo necessário. Nós jornalistas precisamos começar a conversar com os leitores sobre a mensagem deixada pelo Julgamento de Nuremberg e as lambanças do governo do presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido). No final de dois anos de governo, podemos afirmar com um bom grau de certeza que Bolsonaro colocou em postos-chave da administração federal pessoas comprometidas em proteger os interesses econômicos e políticos da sua família. Usando a camuflagem de que estão lutando contra a corrupção e a esquerda. Uma advertência aos colegas. O que escrevi nesse parágrafo não é opinião. São fatos que publicamos no noticiário e que também foram mostrados em livros e relatórios. Atadas as pontas na nossa conversa, vamos à história. Eu lembrei do Julgamento de Nuremberg quando li a carta dos funcionários da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que publicamos na sexta-feira (11/12) – disponível na internet. Na carta é afirmado que o compromisso dos trabalhadores da agência é com a ciência e o país, e não com o governante de plantão. Foi dada essa explicação porque a Anvisa está no centro de uma disputa política entre o presidente Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB-SP), que envolve duas vacinas contra a Covid-19 – há matéria na internet. Até as pedras das ruas do Brasil sabem que Bolsonaro, com a aval do Senado, colocou na presidência da agência o contra-almirante Antonio Barra Torres.

Torres foi posto na Anvisa não por ser militar. Mas porque obedece as ordens do presidente da República. Assim como o general da ativa do Exército Eduardo Pazuello, ministro da Saúde. O general é autor de uma frase que ficou na história recente do país. Disse ele durante uma conversa com Bolsonaro: “É simples assim. Um manda, outro obedece”. Ninguém ocupa cargo na área da saúde do governo federal se não concordar com o negacionismo do presidente em relação à Covid-19. Por conta desse negacionismo, Bolsonaro boicotou governadores, prefeitos e até seus ministros que seguiam as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) na estratégia de lidar com o vírus. O resultado: o Brasil hoje tem 180 mil mortos pela Covid-19. E os brasileiros estão assistindo de camarote países em vários cantos do mundo, inclusive na América do Sul, vacinarem as suas populações. Qual é a responsabilidade da política negacionista do governo na questão dos mortos e da vacina? O dia que o mandato do presidente terminar e os pesquisadores começarem a esmiuçar o que acontecia dentro das quatro paredes do governo vai ser produzida uma quantidade enorme de informações. E não precisa ser um gênio na ciência do direito para saber que tudo vai parar no Tribunal Penal Internacional, em Haia, porque a política do governo brasileiro no caso da Covid-19 é considerada genocida. Inclusive o ministro da Saúde já foi avisado por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

É dentro desse contexto que devemos entender a carta dos funcionários da Anvisa. Não só a questão do vírus que vai parar em Haia. Há outro fato que merece ser lembrado. Nos últimos dias o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (republicano), chutou as portas dos órgãos reguladores para que fosse liberada a vacina para os americanos. Por que ele fez isso se durante toda a sua administração foi negacionista? Simples. O negacionismo de Trump facilitou a proliferação do vírus, que já matou mais de 200 mil americanos, em uma média diária de 3 mil, superior ao atentado de 11 de setembro de 2001 contra as Torres Gêmeas em Nova York, quando morreram 2.996 pessoas. Trump vai poder exibir para o mundo que foi no seu governo que os americanos começaram a ser vacinados. E caso aconteça uma ação em Haia contra ele, a vacina é um trunfo que ele tem a seu favor. É simples assim. Trump concorreu à reeleição e perdeu para Joe Biden (democrata), que assume em 20 de janeiro.

Para arrematar a nossa conversa. Aprendi em 40 e poucos anos de profissão, sendo 30 e tantos nas redações, que a história é uma professora para o repórter que sabe onde procurar as informações. Ela nos mostra que nos anos 30 o nazismo conseguiu se infiltrar e corroer por dentro a máquina administrativa do governo da Alemanha. Auxiliados por uma bem estruturada e competente campanha publicitária, conseguiram se apoderar das mentes e corações dos alemães. E deu no que deu. O governo Bolsonaro não vai ser julgado na corte internacional, e muito menos nas nacionais, por ser de extrema direita, ou saber usar como ninguém um discurso enxuto que entusiasma as massas. Tudo isso faz parte do jogo, desde que seja feito seguindo as regras da Constituição. O julgamento do governo vai ser pelo aparelhamento de setores da administração federal, como a Saúde e o Meio Ambiente, que estão trazendo prejuízos para a vida dos brasileiros. Dentro desse contexto é importante que nós jornalistas possamos separar no discurso de Bolsonaro as bobagens dos fatos. Por exemplo. Ele tem batido na tecla de que o brasileiro não pode ser obrigado a se vacinar. Temos escrito muito sobre isso. Só que o xis do problema não é esse. A questão é ter a vacina disponível no território nacional. O resto é o resto. A vacina para a Covid-19 já está no mercado. Nós temos que explicar de maneira, simples e direta para o nosso leitor porque ele não está disponível para os brasileiros.

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