É comum, em todas as democracias do mundo, acontecerem confrontos entre manifestantes e forças policiais. E também acontecer a infiltração de vândalos e saqueadores nos protestos. É do jogo entre as forças políticas em disputa pelo poder. O Brasil não é uma exceção à regra. É levando em conta essa conjuntura que nós, repórteres, devemos buscar informações para explicar aos nossos leitores as razões que levaram à desastrada reação das forças policiais durante as manifestações na tarde de quarta-feira, em Brasília.
Aos fatos, como falavam os antigos repórteres dos tempos das redações enfumaçadas pelos cigarros e embalada pelo som trepidante das máquinas de escrever. Nos países democráticos, a ação das forças policiais em manifestações obedece a um procedimento padrão, que é dividido em três partes: antes do acontecimento, durante e depois. Aqui cabe lembrar que, para atuar na Copa do Mundo e nas Olimpíadas, as forças policiais brasileiras foram treinadas dentro desses padrões e receberam equipamentos de última geração.
O procedimento das forças policiais, durante a manifestação e depois, é uma consequência do que foi feito antes do evento, que é a parte mais importante da metodologia. O antes é o momento em que os órgãos de inteligência coletam informações sobre como será o evento – tipo de participante, fontes potenciais de perigo etc. Essas informações são usadas para organizar a força policial e evitar surpresas. Por ser a capital federal do Brasil, Brasília é o pedaço do país mais bem vigiado pelos serviços de inteligência: Forças Armadas (Marinha, Exército e Força Aérea), Polícia Federal (PF) e Polícia Militar – que é uma das tropas mais bem equipadas e remuneradas do país. Portanto, existiram as condições para organizar a segurança do evento de maneira correta. Por que não aconteceu?
Há muitas explicações para essa pergunta. Uma delas é no campo político. A manifestação foi contra o presidente da República, Michel Temer (PMDB – SP), encurralado pela delação premiada para a Operação Lava Jato do empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS. O grupo político do presidente é altamente competente na arte da conspiração. Conseguiu o impeachment da presidente da República, Dilma Rousseff (PT – RS), que foi substituída por seu vice, Temer. Mais ainda: conseguiu mobilizar o país ao redor de uma pauta de reformas econômicas que descolou o grupo da Lava Jato – vários de seus integrantes estão sendo investigados – existem abundantes reportagens na internet que tratam do assunto. A delação do empresário acabou com o descolamento do grupo da Lava Jato.
O grupo político do Temer age em cima da conjuntura política do momento. E a desastrada ação das forças policiais durante as manifestações em Brasília foi usada pelo grupo. Eles criaram um fato político: convocaram as Forças Armadas e acionaram a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), um dispositivo legal criado em 1999 que permite o uso dos militares em situações especiais. A GLO foi usada em 2013, no Rio de Janeiro, durante o leilão para a iniciativa privada do Campo de Libra, do pré-sal. Portanto, não tem nada a ver com a volta dos militares ao poder –- como aconteceu no Regime Militar (1964 a 1985). Mas tem a ver com a imagem que existe na cultura brasileira do golpe militar. Tanto que, logo após o anúncio, o assunto passou a ocupar enormes espaços nos noticiários, deixando de lado o motivo do protesto em Brasília e as explicações para a desastrada ação das forças policiais.Continuo ocupando espaços generosos nos noticiários até ser revogada na manhã de quinta-feira. Ainda há mais uma questão política: por onde anda o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC- RJ) – militar da reserva que apoia o Golpe de 1964, em campanha para ser o próximo presidente da República? Um bom número de seus seguidores é de policiais militares.
É nossa obrigação, como repórteres, passar aos nossos leitores todas essas informações de bastidores para que entendam o que aconteceu.