A maior preocupação do governo federal no enfrentamento com os caminhoneiros é não dar um mártir para o movimento grevista, que tanto pode ser um corpo durante uma ação entre as tropas militares e os piqueteiros quanto a imagem de uma forte disputa, com feridos. Essa preocupação é demonstrada nas entrelinhas das falas dos ministros, principalmente na do general Sérgio Etchegoyen, chefe de Segurança Institucional da Presidência do Brasil, um militar experiente e prudente. Um mártir seria um nocaute no governo do presidente da República, Michel Temer (MDB – SP. A disputa entre as Forças Armadas e os grevistas não é no piquete. É na opinião pública.
E, nesse cenário, ganha a disputa quem tiver mais paciência e conseguir causar o maior dano à imagem do adversário. Essa é a grande lição que os militares aprenderam com a Guerra do Vietnã (1959 a 1975), que envolveu as Forças Armados dos Estados Unidos contra os guerrilheiros vietnamitas. Os americanos perderam. E a derrota é atribuída à pressão da opinião pública dos Estados Unidos. A opinião dos americanos contra a guerra foi criada pelo fluxo de informações geradas pelos repórteres, que tinham livre acesso aos campos de batalha – há um extenso material sobre o assunto disponível na internet. Nas guerras seguintes em que os americanos se envolveram, o acesso da mídia aos campos de batalha acabou – existem inúmeras matérias disponíveis nas redes sobre o assunto. Esse modelo de tratar a mídia dos americanos é hoje largamente empregado no mundo.
Nesse modelo, não existe a censura da imprensa. Mas existe o controle do fluxo de informações. Não por outro motivo que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) não informa mais o número de bloqueios de grevistas existentes nas estradas. Essa informação é centralizada agora. Ou seja, o que o repórter conseguia com simples telefonema se transformou em um parto, como é descrito no jargão das redações quando é complicado ter acesso a uma informação. Resultado: não tem como saber com segurança o número de bloqueios. Mais ainda: foi montado um sistema de entrevistas coletivas diárias para manter a imprensa nutrida de informações oficiais. Diariamente, os ministros Etchegoyen, Eliseu Padilha (Chefe da Casa Civil) e Carlos Marun (Chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República) fazem uma conversa recheada de detalhes sobre o andamento da greve com os repórteres. Foi durante uma dessas entrevistas que eles substituíram a expressão bloqueio por concentrações de manifestantes, que acontecem, na maioria das vezes, em Regiões Metropolitanas.
No início da semana passada o ministro Padilha mencionou a palavra ”infiltrados” em uma entrevista. Dias depois, o presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (AbCan), José da Fonseca Lopes, depois de uma reunião de negociação com o governo, denunciou a infiltração no movimento. Aqui, eu quero refletir com os meus colegas repórteres velhos e com os novatos sobre a palavra “infiltrado”. No Brasil, ela tem o sentido pejorativo, uma herança do Regime Militar (1964 a 1985), que usava agentes infiltrados para devastar as organizações que lutavam pela democratização do pais. Ou seja: os caminhoneiros que persistem no movimento grevista estão sendo manipulados. Perguntado quem são os infiltrados, os ministros não apontaram o dedo em direção a ninguém. Foram vagos nas suas respostas.
A fragmentação dos movimentos dos grevistas facilita o domínio do fluxo de informações pelo governo. A causa dos caminhoneiros é justa e simpática aos brasileiros. Pedro Parente, 65 anos, enfiou goela abaixo dos brasileiros o alinhamento dos preços dos combustíveis com mercados internacionais. Resumindo: o brasileiro ganha em reais e paga o combustível em dólar. Os consumidores de gasolina e gás de cozinha estão solidários com os caminhoneiros, porque estão no mesmo barco. O governo resolveu o problema dos caminhoneiros. Portanto, o fim da greve é uma questão de tempo. Mas ainda resta a insatisfação dos consumidores de gasolina e gás de cozinha. Dentro desse contexto, entende-se a preocupação do governo com um mártir – que tanto pode ser um cadáver quanto um vídeo de um grande conflito. Seria como acender um fósforo dentro de um paiol de pólvora.