No domingo, 29 de abril, a contadora desaparecida Sandra Mara Lovis Trentin faz aniversário, 49 anos. A data será marcada com uma solenidade religiosa na Capela Santa Maria Goretti, no centro de Boa Vista das Missões, uma pequena cidade agrícola à beira da BR-386, com 2 mil habitantes, no Norte do Estado, onde ela vivia com o marido, o presidente da Câmara de Vereadores, Paulo Ivan Landfeldt (PSDB), 47 anos, e com os três filhos do casal. Ela tem um quarto filho, Rômulo Trentin, 26 anos. Em uma terça-feira, na manhã do dia 30 de janeiro, Sandra dirigiu 30 quilômetros na camioneta da família, uma Ranger, até o centro de Palmeira das Missões, cidade agroindustrial e centro comercial da região. O veículo foi encontrado estacionado em uma rua de Palmeira, fechado com os pertences dela dentro. Sandra nunca mais foi vista. O caso para a polícia está solucionado. A versão da polícia é que o marido contratou por R$ 15 mil Ismael Bonetto, 22 anos, que sequestrou a contadora e depois deu sumiço no corpo. Um dos motivos do crime seria a intenção de o vereador Paulo Ivan de assumir um relacionamento extraconjugal. O vereador e Bonetto foram indiciados no inquérito policial e denunciados pelo Ministério Público Estadual. A Justiça aceitou a denúncia, e os dois estão respondendo o processo presos, um em Palmeira e outro em Canoas, Região Metropolitana de Porto Alegre. Estão em presídios separados porque estavam trocando ameaças.
Esse é um lado da história. O outro lado é contado pela família do marido. A versão deles é que a contadora desapareceu por livre e espontânea vontade. O principal motivo do desaparecimento seria uma vingança contra o marido. No meio desse fogo cruzado, entre os defensores do marido e da contadora, estão os quatro filhos, três crianças. Essa história só irá acabar quando ela aparecer, viva ou morta. Essa é a parte mais difícil desse caso, devido à estrutura do crime. Pelas investigações feitas pelos agentes da Polícia Civil de Palmeira, Bonetto teria executado a contadora com um tiro na cabeça, no primeiro dia do desaparecimento – como ele afirmou em uma confissão, feita logo depois de ter sido preso. E entregou o corpo para outros dois cúmplices se livrarem do cadáver. Quem são esses dois? Ele disse que não os conhece. Aqui está o nó desse caso. Todas as provas que a polícia tem contra os dois são circunstâncias – depoimentos de testemunhas, mensagens trocadas entre os dois e contradições nos relatos que fizeram sobre o caso para os agentes. Sem o corpo, eles têm uma boa chance de saírem livres dessa história. Já vi acontecer, como relatei no post “Se a contadora não aparecer viva ou morta nas próximas horas, os suspeitos podem ser soltos“. Em 2005, eu trabalhei no caso do desaparecimento da comerciante Sirlene de Freitas Moraes, 42 anos, e do seu filho, Gabriel, sete anos. Ela havia marcado um encontro com o amante, um médico homeopata, que havia combinado reconhecer o menino como seu filho. Mãe e filho nunca mais foram vistos. O médico esteve preso durante 58 dias e acabou sendo libertado por falta de provas. Em 2015, acompanhei o desaparecimento da professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Cláudia Hartleben, 47 anos. O ex-marido e o filho dela foram indiciados no inquérito policial e denunciados pelo Ministério Público. A Justiça não aceitou a denúncia, os suspeitos estão soltos. Portanto, se a tese da polícia estiver correta, e os dois forem responsáveis pelo sequestro e pela morte da contadora, muito embora eles estejam brigando, não existe interesse deles que o corpo apareça.
A missa de domingo pelo aniversário da contadora desaparecida é um recado muito forte da comunidade para os agentes da Polícia Civil. Para familiares e amigos da contadora, o caso só acaba quando ela aparecer viva ou morta. Mesmo se acontecer a condenação do marido e de Bonetto, o caso continuará em aberto para a família. Como repórter, sempre andei pelo interior do Brasil em busca de histórias para contar. E conheço muito bem a região de Boa Vista das Missões, a última vez em que andei por lá foi no início do mês. Diferentemente dos grandes centros, onde casos como esse acabam sendo esquecidos assim que desaparecem dos noticiários, nas pequenas cidades eles se fortalecem com o tempo, porque todos os moradores se conhecem. Lembro que, a 120 quilômetros, ao Noroeste de Boa Vista, na cidade de Três Passos, em 2011, Cíntia Luana Ribeiro de Moraes, 14 anos, grávida, desapareceu logo após um encontro com um jovem que seria o responsável pela gravidez. Ela nunca mais foi vista. Na ocasião, eu entrevistei o suspeito. E tenho acompanhado o caso. Sempre que converso com os envolvidos, parece que o caso aconteceu ontem. Assim é o interior. O tempo não apaga casos como o da contadora. Ela só estará morta quando o corpo aparecer. Ou só estará viva quando for encontrada. O caso continuará sendo assunto nas rodas de chimarrão.