Candidato à extinção sempre que surge uma nova tecnologia em comunicação, o rádio não só sobreviveu à popularização da internet como ampliou o seu alcance, chegando a lugares onde antes dependia das condições meteorológicas. Em tempos em que as grandes empresas de comunicação estão demitindo jornalistas em massa, a robustez exibida pelo rádio não deixa de ser uma boa notícia para a categoria de jornalistas e radialistas e para os consumidores por ele ser de acesso gratuito. É o que tenho ouvido, cada vez mais, dos estudantes de jornalismo e dos donos de pequenas empresas de comunicação nas palestras que tenho feito em faculdades e redações pelo interior do Brasil. Ainda na semana passada, assisti esse assunto tomar corpo durante uma conversa que tive com os alunos do Centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Vale do Taquari (Univates), em Lajeado, uma cidade agroindustrial no interior gaúcho.
Lajeado fica a pouco mais de 120 quilômetros ao norte da Região Metropolitana de Porto Alegre, onde estão concentradas as grandes empresas de comunicação. A menos de uma década, o sinal das rádios da Capital mal chegava lá. E as rádios da Região de Lajeado só chegavam a poucos quilômetros das redondezas. Sei disso porque fiz a minha carreira de repórter focada na cobertura de conflitos agrários, migrações e crime organizado nas fronteiras e, nos últimos 40 anos, sempre viajei muito. E por isso tenho conhecidos espalhados pelos sertões brasileiros. Até há pouco tempo, coisa de não mais de 20 anos, os moradores do interior para terem acesso às emissoras de rádio dos grandes centros urbanos precisavam estar parados na frente de uma televisão para ouvir, pelos canais de som, o seu programa favorito. Isso começou nos anos 80 com a popularização das antenas parabólicas e, depois, pelas TVs a cabo. Com a vulgarização do uso do celular, os ouvintes ganharam mobilidade e podem ouvir a rádio em movimento. Isso é grande novidade no meio rural.
E qual a oportunidade que traz essa nova realidade para os jovens que estão nas faculdades de jornalismo? Para responder a pergunta, temos que ter em mente dois fatos: o primeiro é que, assim como as novas tecnologias facilitaram a chegadas das rádios das grandes empresas de comunicação no interior, elas também possibilitaram que uma pequena rádio estabelecida lá nas barrancas do Rio Uruguai seja ouvida em qualquer canto do mundo. Isso abre para o jovem repórter a possibilidade de montar um grupo de colegas e locar um espaço em emissora de rádio para fazer um programa e comercializá-lo. O segundo fato: a questão do conteúdo, que é o grande desafio na atualidade. Vejamos: o ouvinte da emissora da Capital que vive lá no interior não tem interesse em ouvir uma notícia sobre o engarrafamento de uma avenida em Porto Alegre. Assim como o ouvinte de Porto Alegre não tem interesse em saber dos atoleiros existentes nas estradas que dão acesso às propriedades rurais. O desafio é encontrar conteúdos que sejam do interesse desses dois públicos que foram colocados ao nosso alcance graças às novas tecnologias. Trocando em miúdos: enquanto as novas tecnologias são apontadas como culpadas pelo êxodo de assinantes dos jornais impressos, elas são responsáveis pelo crescimento dos ouvintes de rádio.
O destino que terá o futuro do rádio está nas mãos das novas gerações de repórteres, das faculdades (especialmente as do interior) e das entidades de classe em resolver a questão dos conteúdos. Ela não é uma questão fácil de ser resolvida. Mas é possível ser feito. Lembro que, antigamente, para ser repórter de rádio precisava ter boa voz. Hoje a tecnologia já resolveu esse problema. Aliás, até caras como eu, que sou gago, consigo falar. Lembro que, certa vez, estava na redação e montei uma pauta que tinha como foco descobrir como as pessoas sabiam o que iria acontecer com o clima antes de existirem todos esses equipamentos de hoje, tipo satélites. Então, rodei durante 10 dias pelo Rio Grande do Sul falando com pessoas que dependiam diretamente do tempo para trabalhar, tipo agricultores, pescadores, pecuaristas e um índio velho para saber do modo que o seu povo sabia das variações climáticas antigamente.
No final da viagem, encontrei o índio que procurava em Charrua, uma reserva indígena entre Erechim e Passo Fundo, cidades do norte do Estado. Era um final de tarde do último mês do inverno no começo dos anos 90 quando cheguei na reserva. Sentados ao redor de um fogo de chão, um grupo de índios velhos fumava cigarro palheiro (feito de palha), tomava chimarrão e conversava. Cheguei de mansinho no grupo. Apresentei-me, tomei um mate e fiz uma longa e detalhada explicação sobre a minha pauta. No final, olhei para o mais velho do grupo e perguntei: como é que o senhor sabe o que vai acontecer com o tempo? O velho índio deu uma tragada no cigarro, sorveu um gole do mate, olhou firme para mim e respondeu: “ouvindo a Rádio Gaúcha”.
Essa história contei no livro Repórteres, organizado pelo Audálio Dantas, e depois ela foi parar na revista Seleções e acabou dando volta no mundo. Na época, e ainda acontece hoje, as rádios faziam cadeias para transmitir noticiários e esporte. Aliás clima e esporte, dois assuntos que interessam aos vivem no interior e nas cidades. Como é que eu iria saber na época?