Abstenção em São Paulo e Porto Alegre não foi uma mensagem, é o mensageiro

Imprensa precisa explicar a abstenção em São Paulo e Porto Alegre  Foto: EBC

Não sei qual foi a manchete mais repetida na imprensa no final do primeiro turno das eleições municipais. Mas certamente estava entre elas a abstenção dos eleitores nas cidades de São Paulo (SP) e Porto Alegre (RS). A nível nacional, a abstenção foi de 21,71%, o que significa que em torno de 33,8 milhões de eleitores não votaram. Em São Paulo, com uma abstenção de 27,34%, 2,5 milhões não compareceram às urnas, um contingente superior aos 1,8 milhão que votaram no candidato à reeleição, o prefeito Ricardo Nunes (MDB), 56 anos, e aos 1,7 milhão de votos do seu adversário no segundo turno, Guilherme Boulos (PSOL), 51 anos. Em Porto Alegre, a abstenção foi de 31,21%, uma montanha de 345.554 votos, mais do que os 345.420 votos feitos pelo candidato à reeleição, o prefeito Sebastião Melo (MDB), 66 anos, que disputará o segundo turno com a deputada federal Maria do Rosário (PT), 57 anos, que somou 182.553 votos. Estes índices de abstenção são bem parecidos com os das eleições de 2020, realizadas no auge da pandemia de Covid-19.

A imprensa simplesmente atirou os números da cara do leitor sem oferecer maiores explicações. Mas eles precisam ser esmiuçados para entendermos melhor o que pode ter acontecido. Não é um trabalho fácil. Mas tem que ser feito pelos jornalistas. O que aconteceu? Perguntei a um cientista social que conheci nos tempos das máquinas de escrever e das nuvens de fumaça dos cigarros nas redações. A conversa foi interessante e, por isso, estou relatando o seu conteúdo. Ele fez um raciocínio bem simples. A imprensa não explicou detalhadamente a importância dessa eleição. Disse que ouviu vários jornalistas apostarem que a abstenção no primeiro turno das eleições de São Paulo seria baixa porque o tumulto da campanha atraiu a atenção do eleitor. A disputa virou notícia mundial por conta do ex-coach Pablo Marçal (PRTB), 37 anos. Ele usou a tática de provocar os adversários até tirá-los do sério e fazê-los pisar em uma casca de banana, como aconteceu com o apresentador de TV José Luiz Datena (PSDB), 67 anos, que no debate da TV Cultura (15/09) caiu na armadilha da provocação e agrediu Marçal com uma cadeirada. A cena circulou o mundo. A solução dos jornalistas para os próximos debates foi parafusar as cadeiras no chão. O episódio foi responsável pela elevada abstenção? Possivelmente não, conclui o cientista social. Tanto que Marçal, por pequenos detalhes, não foi para o segundo turno. Faltaram 56.853 votos para ultrapassar Boulos.

Ao contrário de São Paulo, a campanha em Porto Alegre foi tranquila, sem dedo nos olhos e cascas de banana. E os debates aconteceram de maneira civilizada. Então, por que a abstenção foi uma das altas da história das eleições municipais da cidade? Por que fez um domingo de sol como há muito tempo não fazia e todo mundo correu para as praias do Litoral Norte? Ele insistiu no seu raciocínio. “Não sabemos.” Era crença geral entre os jornalistas que devido as três enchentes que desde setembro devastaram o território gaúcho, especialmente em Porto Alegre haveria um grande interesse do eleitor para votar. Não foi o que aconteceu. Precisamos esmiuçar os acontecimentos para saber os reais motivos da enorme abstenção. Perguntei se a abstenção começasse a aumentar ia comprometer a democracia. Respondeu que não acredita nisso. Mas há um fator nesse episódio que o deixa assustado. Perguntei qual era. Disse que era alguém com poder para mudar a legislação entender que a maneira de baixar a abstenção seria aumentar o valor da multa (R$ 3,51) e dificultar o acesso aos serviços federais da pessoa que não justificou o motivo pelo qual não votou. Analisou: “Se isso acontecer, estarão matando o mensageiro da notícia. A abstenção é o mensageiro que traz a notícia de que alguma coisa está errada e precisa ser corrigida”. Argumentou que a discussão que está posta na mesa com as altas abstenções não é o voto obrigatório ou facultativo. A discussão é que não sabemos o que aconteceu.

Para concluir a nossa conversa. A abstenção não é um sinal que o eleitor cansou da democracia. É um sinal de que ele não foi estimulado a se levantar do sofá e ir votar, como acontece nos países onde o voto não é obrigatório. Lembrei, durante a nossa conversa, que no início da redemocratização do Brasil, a partir de 1985, com a queda da ditadura militar que se instalara no país em 1964, havia uma extensa lista de grandes oradores entre os parlamentares, como o ex-presidente da Câmara dos Deputados (1985-1989) Ulysses Guimarães, falecido em 1992, entre outros. Nos dias atuais, encontrar um político que tenha o dom da palavra é uma busca muito árdua. Hoje é muito mais fácil achar alguém que usa o desaforo como mensagem para o grande público nas suas redes sociais. Há alguma coisa que possamos fazer a respeito? Muito pouco, porque é a nova normalidade imposta pelo avanço das tecnologias de comunicação. Essa nova realidade vai abalar a nossa democracia? Não creio, porque a democracia brasileira é jovem, mas tem musculatura suficiente para se manter em pé e funcionando a todo vapor. Cito o caso da tentativa de golpe feita por seguidores do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), 69 anos, em 8 de janeiro de 2023, quando quebraram tudo que encontraram pela frente no Congresso, no Palácio do Planalto e no Supremo Tribunal Federal (STF), na Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF). Frente a essa realidade, é importante que cada vez mais consigamos aperfeiçoar os métodos de apuração dos dados das matérias para não escrever bobagem. A história da abstenção em São Paulo e Porto Alegre não pode passar batida.

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