Ao reassumir o seu mandato no Senado, Aécio Neves (PSDB – MG) inaugura uma nova era na política brasileira: a do zumbi, um morto-vivo que, segundo a crença do vodu haitiano, foi ressuscitado pelos poderes de um feiticeiro e, agora, anda pelo mundo sem personalidade. O orgulhoso Aécio, 57 anos, político de língua afiada, defensor da lei, combativo candidato do PSDB que disputou e perdeu para Dilma Rousseff (PT – RS) as últimas eleições para presidente da República. Homem que conseguiu jogar no ostracismo um dos caciques de seu partido, o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, o FHC, um dos pais do Plano Cruzado, que deu estabilidade econômica para o país. Aécio se voltou contra FHC quando ele convenceu o seu sucessor no cargo de presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT – SP), a seguir com o modelo politico implantado no país pelo PSDB. Lula seguiu o conselho, e o país teve uma década de pleno emprego.
Esse foi Aécio, a fina flor dos políticos gerados pela Nova República, que substituiu o Regime Militar, que governou o Brasil de 1964, ano do golpe dado pelas Forças Armadas, até 1985, quando os civis chegaram ao poder depois de um acordo político com os generais. O maior legado da Nova República foi a Constituição de 1988, que é a responsável pelo nosso modo de vida – com liberdade de imprensa, política e leis sociais. Nos dois últimos anos, aqui e ali, já vinha aparecendo o nome do senador em casos de corrupção apurados pela força-tarefa da Operação Lava Jato. Mas foi no meio do ano que apareceu o caso mais escandaloso e responsável pela morte política de Aécio. Uma conversa dele pedindo R$ 2 milhões de propina para o empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS e delator da Lava Jato, foi gravada e tornou-se pública. Ele perdeu o apoio dentro do seu partido e passou a orbitar ao redor do grupo político do atual presidente da República, Michel Temer (PMDB – SP), que foi denunciado pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot como líder do “quadrilhão” do PMDB.
Temer é o feiticeiro que ressuscitou Aécio. Medidas cautelares do Supremo Tribunal Federal (STF) haviam suspendido o mandato do senador e determinado que ficasse recolhido a sua casa no período da noite. A efetivação das medidas dependia da aprovação do plenário do Senado. Ontem, por 44 votos a 26, os senadores decidiram suspender as medidas cautelares contra Aécio, e ele volta a exercer o seu mandado, com direito de sair à noite. Aécio foi salvo pelo grupo político de Temer. Mas quem é o Aécio Neves que reassumiu o mandato?
Antes de responder a essa pergunta, eu quero conversar com os meus colegas repórteres, principalmente os novatos. Para responder essa pergunta ao nosso leitor, nós não podemos enveredar pelo “politiquês” – aquelas avaliações usando o xadrez político de Brasília – para explicar os acontecimentos. Temos que lembrar ao nosso leitor que a alma do político é a ambição de chegar ao cargo maior do país, o de presidente da República – é assim em todas as democracias do mundo. O senador que Temer resgatou é hoje um homem que continua no cargo apenas como uma maneira de manter o foro privilegiado – que garante a parlamentares e ministros o direito de ter os seus crimes, incluindo os comuns, julgados pelo STF. Temer, vários dos seus ministros, dezenas de senadores e deputados federais também já estão nesse grupo. As pessoas que pertencem a esse grupo não podem andar na rua que são hostilizadas pela população. A língua afiada de Aécio e a sua presença física sempre lhe garantiram plateia em suas aparições públicas. E agora, como vai ser?
Essa é a segunda vez em que Aécio reassume o seu cargo. A outra aconteceu em maio. O ministro do STF Edson Fachin, relator da Lava Jato, suspendeu o mandato de Aécio e mandou prender a sua irmã, Andréa Neves, por conta da conversa gravada do pedido de propina do empresário Joesley Batista. Em agosto, os advogados do senador conseguiram reverter o quadro, e ele reassumiu o seu cargo, e sua irmã foi solta. A diferença da situação atual é que ele precisou do apoio maciço do grupo de Temer para salvar o seu mandato no plenário do Senado. E isso tem um preço: dançar conforme a música tocada pelo presidente Temer, um homem sem prestígio político e com sérios problemas com a lei.
Essa entrada de Aécio no grupo político de Temer é diferente da que aconteceu no ano passado. Na ocasião, o grupo estava articulando a conspiração que resultou no impeachment de Dilma, que foi substituída pelo seu vice, Temer. Aécio patrolou FHC e levou o PSDB para o grupo de conspiradores. Ele foi recebido como um herói pelo grupo de Temer porque trouxe para a conspiração o glamour da sua presença. Agora, ele é recebido como mais um. O tratamento é outro. Temer não tem amigo. Tem aliados de ocasião. Veja o caso de Geddel Lima, o homem dos R$ 51 milhões, ex-ministro e amigo pessoal do presidente, preso preventivamente na Polícia Federal (PF). E do aliado de Temer, ex-presidente da Câmara Federal Eduardo Cunha (PMDB – RJ), peça fundamental no impeachment de Dilma, que hoje cumpre uma pena de duas décadas na Região Metropolitana de Curitiba (PR). A diferença de Aécio para Geddel e Eduardo Cunha é o berço político. Ao se envolver com corrupção, Aécio cuspiu na sua história, tornou-se um zumbi, um morto-vivo a serviço do grupo político de Temer. Essa é a história de um ícone da Nova República.
Nota em uma coluna de política conta que, ao voltar, Aécio disse a um interlocutor : ” Olha a que me reduziram ! Olha no que eu me transformei” ! A segunda frase é bem mais verdadeira, pois o senador cavou a própria sepultura sozinho. Ele próprio se transformou em zumbi com suas ações. De um momento para o outro passou de um dos homens mais paparicados, bajulados, badalados do país…para o ostracismo, o limbo, a convivência constragedora com seus pares no Senado. Ah, se arrependimento matasse …