Tudo indica que o 8 de janeiro vai entrar para a galeria dos dias que não acabaram na história do Brasil. Foi o que pensei quando li as primeiras manchetes nos jornais na sexta-feira (14/07) sobre o episódio que aconteceu no Aeroporto Internacional de Roma, na Itália, envolvendo o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e o seu filho. Eles foram hostilizados pela família de Andreia Munarão, o seu marido e empresário Roberto Mantovani Filho, e o genro, Alex Zanatta, moradores do interior de São Paulo. A Polícia Federal (PF) investiga o caso e a principal linha de apuração é que a família é simpatizante do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL). E que ofendeu o ministro por conta dele estar conduzindo os principais processos que tramitam no STF contra o ex-presidente, em especial a tentativa de golpe de Estado feita por bolsonaristas radicalizados em 8 de janeiro. Na ocasião, eles invadiram e quebraram tudo que encontraram pela frente no Congresso, no Palácio do Planalto e no STF, situados na Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF). No dia seguinte ao quebra-quebra foram presas 1,4 mil pessoas – a história toda está disponível na internet.
A história das agressões ao ministro deve começar a ser esclarecida com a chegada ao Brasil dos vídeos gravados pelas câmeras de segurança do aeroporto, prevista para os próximos dias. Não vou falar sobre esse episódio porque a grande imprensa está fazendo uma cobertura minuto a minuto, o que é bom para os leitores. Sobre ele, proponho aos meus colegas, em especial os jovens que estão na correria das redações fazendo a cobertura do dia a dia, e aos leitores uma reflexão. Olhando os resultados conhecidos das investigações da PF sobre o 8 de janeiro nota-se que falta encontrar e responsabilizar os principais financiadores dos atos terroristas. Não é uma investigação fácil, porque eles encobriram com grande competência os rastros do dinheiro. E também ainda não foram encontrados e responsabilizados pela Justiça os articuladores e autores das duas minutas do golpe, uma delas achada na casa do ex-ministro da Justiça e delegado da PF Anderson Torres, que está em liberdade vigiada, e a outra no celular do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, preso em uma unidade do Exército, em Brasília. Também fazem parte desse grupo de desconhecidos que atuaram nos bastidores do 8 de janeiro os líderes do círculo íntimo do ex-presidente, que é formado por militares (ativa, reserva e reformados) das Forças Armadas, empresários, parlamentares e familiares. Essas pessoas ainda não identificadas montaram a tese de que seria possível convencer a opinião pública que o presidente Lula, que iniciou seu mandado uma semana antes dos atos terroristas, sabia que eles iriam acontecer e nada fez para impedi-los. Acreditaram que conseguiriam vender o seu peixe na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do 8 de janeiro (CPMI do 8 de janeiro). Os dois meses de funcionamento da CPMI têm sido um tiro no pé dos bolsonaristas.
Essas pessoas desconhecidas que ainda não foram alcançadas pelas investigações da PF continuam alimentando os redutos de bolsonaristas raiz, em especial pelo interior do Brasil, com a fantasia de que é possível reverter a eleição de Lula. E vão levar a bandeira política dos atos de 8 de janeiro para a disputa das eleições municipais. Lembro os colegas que aquilo que nós jornalistas consideramos absurdo, para os bolsonaristas raiz é uma maneira de mobilizar as suas bases e eleger os seus candidatos. Aprendemos isso durante o governo do ex-presidente. Em 2018, o então candidato a deputado federal pelo Rio de Janeiro Daniel Silveira quebrou, durante a campanha, uma placa que homenageava a vereadora Marielle Franco, morta a tiros por milicianos, junto com o seu motorista, Anderson Gomes. Silveira, que foi eleito com 1,5 milhão de votos, está preso – há matéria na internet. Outro caso é o do caminhoneiro e youtuber Marcos Antonio Pereira Gomes, o Zé Trovão. Ele foi eleito deputado federal por Santa Catarina, com 71.140 votos, por ter sido o articulador da tentativa de golpe de estado feita pelo ex-presidente no Dia da Independência (7 de setembro) de 2021. O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, responsável por ter facilitado a ação de madeireiros ilegais na Floresta Amazônica, considerado um algoz dos povos indígenas pelos defensores da Amazônia ao redor do mundo, elegeu-se deputado federal por São Paulo com 640 mil votos.
Bolsonaro não planejou essa maneira de fazer política sendo agressivo e indo contra o politicamente correto. Ele sempre fez isso e conseguiu se eleger deputado federal pelo Rio durante três décadas. Também elegeu três dos seus filhos parlamentares: Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador pelo Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal por São Paulo. Eleito presidente, em 2018, tornou a sua maneira de fazer política em uma estrada para novos candidatos. Em 2016, Donald Trump (republicado) se elegeu presidente dos Estados Unidos usando tática semelhante. Bolsonaro não copiou Trump e muito menos o presidente americano se inspirou no brasileiro. Então, o que aconteceu? Essa maneira de fazer política vem de muito longe. Ela teve a sua era de ouro durante os anos 30 na Alemanha e na Itália. Na Alemanha, elegeu Adolf Hitler, um sanguinário que foi responsável por boa parte dos 70 milhões de mortos durante a Segunda Guerra Mundial. Na Itália, Benito Mussolini estruturou o fascismo. Trump e Bolsonaro sempre praticaram a política seguindo as práticas dos nazistas e dos fascistas e tiveram ajuda das novas tecnologias. Vamos voltar ao assunto do rolo no aeroporto de Roma. Um dos que ofenderam o ministro, o empresário Mantovani, é político. Em 2004, ele foi candidato derrotado a prefeito em Santa Barbará d’ Oeste, uma cidade de cerca de 200 mil habitantes no interior de São Paulo. Pergunto. Ele vai concorrer a prefeito em 2024?