Havia uma mensagem nas entrelinhas dos discursos dos líderes mundiais na pomposa cerimônia de comemoração dos 80 anos do desembarque das tropas aliadas nas praias da Normandia, França, em 6 de junho 1944, que ficou conhecido na história como o Dia D. A operação militar deu início à libertação da Europa e à derrota das tropas da Alemanha nazista e da Itália fascista na Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), um conflito que deixou um rastro de atrocidades que custou a vida de mais 70 milhões de pessoas. A mensagem subliminar, como dizem os publicitários, deixada nos discursos dos líderes é a seguinte: voltou à cena política mundial a extrema direita que, nos anos 30 do século passado, abrigou, protegeu e financiou grupos defensores da superioridade racial, ocultistas, fundamentalistas religiosos e outras pessoas exóticas e perigosas. Na época, esses grupos foram decisivos para o sucesso de Adolf Hitler, na Alemanha, e Benito Mussolini, na Itália, dois ícones da barbárie.
Na década de 30, a extrema direita levou alguns anos para se consolidar e tomar o poder. Nos dias atuais, com o auxílio das novas tecnologias da comunicação, ela vem a galope forçado em direção ao comando de vários países. É sobre isso que vamos conversar. A Rússia, que na época pertencia à União Soviética (1922 a 1991) e travou batalhas sangrentas contra os nazistas, como a de Stalingrado (1942/43), não foi convidada para a solenidade porque o seu líder, Vladimir Putin, organizou e executou, em 2022, a invasão da Ucrânia. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, foi um dos convidados de honra. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden (democrata), criticou Putin no seu discurso – há matérias na internet. Aqui é o seguinte. Biden concorre à reeleição em novembro e o seu principal adversário é o ex-presidente Donald Trump (republicano), que durante o seu governo (2017 a 2021) desenvolveu sólidas relações diplomáticas e pessoais com Putin. Apoiado pela extrema direita americana, Trump tem reais chances de vencer Biden em novembro. O principal articulador da campanha de Trump e responsável pela sua vitória em 2016 foi Steve Bannon. Bannon é um competente articulador da extrema direita e foi um dos mentores da invasão do Capitólio (Congresso americano) pelos seguidores de Trump em 6 de janeiro de 2021. Por obstruir o trabalho do Congresso (ele se recusou a colaborar com o comitê do legislativo que investigou os ataques), a Justiça americana condenou Bannon a quatro meses de prisão, que ele terá que começar a cumprir a partir de 1º de julho – matérias na internet. A rede de articulações políticas de Bannon funciona mesmo que esteja preso. Putin é um elo importante dessa rede. Na França, a principal figura da extrema direita é Marine Le Pen, do Reunião Nacional (RN), que foi o maior vencedor das eleições para ocupar as cadeiras francesas no Parlamento Europeu, realizadas no último domingo (9/6). Fez mais que o dobro dos votos do Renascimento, partido do presidente Emanuel Macron. Diante da derrota, Macron disse que não reconhecer o avanço expressivo da extrema direita seria um erro fatal para o futuro do seu país. Por isso, resolveu dissolver o parlamento francês e convocar eleições gerais para o final deste mês. Le Pen disse estar pronta para governar a França, se o povo a eleger.
Toda essa movimentação da extrema direita nos Estados Unidos e na Europa repercute na América do Sul, em especial na Argentina, que elegeu, em 2023, Javier Milei. Ele formou um governo fortemente ancorado nos militares saudosistas do golpe de estado de 1976 e em grupos de várias organizações radicais. Qual será o destino do governo Milei? Não tem como prever porque o cenário político muda a cada dia. Mas uma coisa é certa: ele ruma para se consolidar como um líder da extrema direita na América do Sul. No Brasil, o principal objetivo da extrema direita é conseguir enfiar goela abaixo do Congresso um projeto de anistia para os presos na tentativa de golpe de estado em 8 de janeiro de 2023. Na ocasião, seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadiram e quebraram tudo que encontraram pela frente no Palácio do Planalto, no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF). A anistia seria o primeiro passo para derrubar a sentença do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que tornou o ex-presidente inelegível por oito anos. Quais as chances da anistia avançar no Congresso? Elas existem. Inclusive, há projetos caminhando na Câmara dos Deputados e no Senado. A velocidade do andamento desses projetos dependerá dos resultados das eleições municipais. Casos os bolsonaristas tenham uma vitória avassaladora nas prefeituras e câmaras, o cenário político muda, porque os prefeitos são os principais cabos eleitorais nos pleitos estaduais e presidenciais. Há um fato que nós jornalistas precisamos nos dar conta. Até uma década atrás, as eleições na França, nos Estados Unidos, na Argentina e no Brasil não tinham uma ligação concreta. Nos dias atuais, elas são movimentos coordenados da extrema direita, que estão organizadas e têm um projeto político. A direita tradicional que conhecemos está com problemas em todos os cantos do mundo. No Brasil, ela foi engolida pelo bolsonarismo. Nos Estados Unidos, é real a chance de elegerem Trump. Macron está corretíssimo quando diz que fechar os olhos para o avanço dos extremistas é o pior que pode ser feito.
O cartão de apresentação da extrema direita é a Segunda Guerra Mundial. Este é o resumo das entrelinhas de todos os discursos feitos pelos líderes mundiais reunidos na Normandia na comemoração dos 80 anos do Dia D. Para conhecer os horrores cometidos pelos nazistas e fascistas durante a guerra recomendo aos jovens repórteres a leitura dos livros e trabalhos científicos produzidos sobre os julgamentos de Nuremberg. Na ocasião, as Tropas Aliadas julgaram os criminosos de guerra. Ali podemos ver como o cidadão comum é transformado em uma máquina de cometer atrocidades pelas fake news. As notícias mentirosas não são invenções dos nossos tempos. Elas existem desde sempre. Nos anos 30 foram habilmente usadas pelo ministro da propaganda de Hitler, Joseph Goebbels. Atualmente, pessoas como Steve Bennon usam as modernas tecnologias de comunicação para aperfeiçoar a propagação de notícias mentirosas.