Dia 8 de agosto de 2017, terça-feira, 22h: a futura procuradora-geral da República, Raquel Dodge, foi recebida no Palácio do Jaburu pelo presidente da República, Michel Temer (PMDB – SP), em um encontro, fora da agenda, para tratar, entre outros assuntos, da sua posse em 18 de setembro, quando irá substituir o seu colega Rodrigo Janot.
Dia 7 de março de 2017, terça-feira, 22h30min: o empresário, e um dos donos da JBS, Joesley Batista, é recebido no Palácio do Jaburu pelo presidente da República, Michel Temer (PMDB – SP) em um encontro fora da agenda, que foi intermediado pelo então deputado e assessor da presidência Rodrigo Rocha Loures (PMDB – PR). O assunto tratado foi pagamento de propina em troca de favores para a JBS. O empresário gravou a conversa com Temer e se tornou delator da Lava Jato.
Além das coincidências, o que une esses dois fatos que ainda não explicamos aos nossos leitores, colegas repórteres, especialmente novatos? O encontro com Raquel Dodge serviu para o grupo politico do Temer reforçar na opinião pública o álibi de que ele tem por norma receber, fora de agenda e à noite, no Jaburu, pessoas para tratar dos mais diversos assuntos. Portanto, diferentemente do que os noticiários relataram e do que a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) acusou, o empresário Joesley Batista não foi recebido à noite e fora da agenda porque iria tratar de assuntos ilegais. Foi recebido por ser uma das rotinas de trabalho de Temer, que caiu em uma cilada feita pelo empresário delator da Lava Jato.
Essa é a mensagem que está nas entrelinhas desse encontro de Temer com a futura procuradora-geral. Aqui, quero refletir com os meus colegas repórteres. Por qual motivo, dentro da atual complicada conjuntura política do Brasil, o presidente está trabalhando para reforçar esse álibi? Afinal, ele conseguiu vencer a votação no plenário da Câmara Federal, que barrou a denúncia do MPF contra ele – se tivesse perdido, seria afastado do cargo por 180 dias. Aqui entra o grupo político do Temer – um dos mais qualificados na arte da conspiração e da articulação política que já apareceram em Brasília. Até agora, o grupo venceu as suas batalhas porque enxerga o futuro. Foi assim que conseguira ter sucesso na conspiração que resultou no impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT – RS), que foi substituída pelo seu vice, Temer. O grupo conseguiu manter uma agenda de reformas enquanto navegava pelo revolto mar criado pelas denúncias de Joesley Batista. E, finalmente, conseguiu vencer a votação no plenário da Câmara e barrar a denúncia do MPF.
Mais uma vez, o grupo de Temer viu o futuro ao usar a procuradora-geral para reforçar o seu álibi. Aqui é o seguinte. Como escritor de livro- reportagem, eu sei que, sempre que procuramos contar uma história, precisamos fazer uma profunda pesquisa. E, no caso da visita da Raquel Dodge, não tem como não mencionar o fato relacionando com a defesa de Temer, que afirma ser uma rotina receber gente fora da agenda, à noite, no Jaburu. Não interessa o que foi conversado e também quem marcou o encontro. O que interessa é definir a existência de uma rotina. Portanto, o grupo político de Temer conseguiu firmar um contraponto da história. Esse é um dos motivos de terem reforçado o álibi. Além desse motivo, existem outros dois mais imediatos: o primeiro é o que vem nova denúncia do atual procurador-chefe, Rodrigo Janot, contra o presidente, baseado nas delações da JBS. E o segundo é que, quando deixar o cargo, Temer terá que responder as denúncias feitas pelo MPF.
O fato é que a futura procuradora-geral passou um atestado de ingenuidade política, ao ir ao Jaburu à noite e sem agenda marcada. Ingenuidade política não é crime. Mas, em Brasília, é complicado. Li, escutei e vi as notícias e o que falaram nas redes sociais sobre o encontro. A preocupação foi com o conteúdo da conversa ente os dois. O conteúdo conhecido não tem nada de extraordinário. O fato relevante é a maneira como aconteceu o encontro, muito semelhante ao com o empresário da JBS, o que fortaleceu um dos álibis da defesa do presidente, que afirma a existência de uma rotina presidencial de receber pessoas à noite sem agenda. O grupo político de Temer ganhou mais uma.