Aplicativos de mensagens, tipo WhatsApp, diminuíram os suicídios no fim do ano?

Os suicidas de fim de ano é uma velho problema que precisa ser discutido. Foto: reprodução.

Eu lembro. Nos plantões das redações dos jornais nos fins de anos 70, 80 e até a metade dos 90 era significativo o número de pessoas que cometia suicídio durante as festas de fim de ano. E uma boa quantidade de gente acabava nos hospitais de pronto socorro com crises de ansiedade. O principal traço do perfil das pessoas envolvidas com esses problemas era a solidão. Na época, nós repórteres sabíamos que o problema existia, mas não noticiávamos porque havia a crença nas redações de que sempre que se dava uma notícia de um suicídio, outros aconteciam. Só recentemente a imprensa começou a tratar o suicídio como um problema de saúde pública e passou a noticiar essas ocorrências. Naqueles plantões de finais de ano, lembro-me de ter conversado muito com especialistas sobre os motivos que levavam as pessoas a se suicidarem ou ter crises de ansiedade nesta época. Eles listavam vários motivos, mas no topo da lista estavam os encontros e festejos familiares de Natal e Ano Novo.

O que vou relatar daqui para frente são dados que coletei pela vida – tenho 69 anos, 40 de repórter e uns 30 e poucos vividos em redações de jornais. Como repórter, sempre viajei muito e, na maioria das vezes, estive envolvido em coberturas de conflitos agrários ou em matérias investigativas. E não foram uma nem duas. Mas várias as vezes que passei os festejos de fim de ano na estrada. Lembro que certa vez, em um hotel em Passo Fundo, cidade agroindustrial do interior gaúcho, tive uma longa conversa, em uma noite de Natal, com um senhor que era hóspede permanente. Por muitos anos ele fora caixeiro viajante, como eram chamados os vendedores que percorriam os rincões brasileiros oferecendo suas mercadorias. Dramas familiares o tornaram hóspede permanente do hotel. Nada é mais solitário do que passar as festas de fim de ano em um hotel, cercado por estranhos. Podem apostar.

No final da década de 70, a solidão de quem estava longe da família nos festejos de fim de ano era ainda maior porque só existia o que hoje conhecemos por “telefone fixo”. E esse aparelhos eram raros e caros, principalmente no interior do Brasil. Durante os anos 80 houve a popularização dos telefones fixos. E, no final daquela década, apareceram os primeiros celulares, ainda mais raros e muito mais caros. Mas já era uma enorme evolução para se conseguir falar com a família. Logo depois veio a popularização da internet. Seguida pelo aperfeiçoamento e a vulgarização dos celulares. E finalmente os aplicativos de mensagens.

Aqui quero refletir com os meus colegas, principalmente os mais jovens. No mundo, de um modo geral, mas no Brasil em particular, foram demonizados os aplicativos de mensagens. Para nós, jornalistas, eles são os responsáveis pela proliferação das fake news. E nos dias atuais viraram concorrentes dos jornais graças ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que usa os aplicativos para conversar com os americanos. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), admirador do Trump, tem a mesma política.

Uma passada de olhos nos conteúdos dos noticiários dá a impressão que os aplicativos de mensagens são os responsáveis pelas notícias que divulgam. Elas não responsáveis: são apenas o mensageiro. Lembram aquela expressão muito comum nas redações: “não matem o mensageiro”? Creio que nós jornalistas temos que deixar mais claro aos nossos leitores que os aplicativos não têm nada a ver com o que se escreve neles. Recordo o seguinte aos meus colegas que curtiram um plantão nos festejos de fim de ano: devemos perguntar aos especialistas que influência os aplicativos de mensagens tiveram nas taxas de suicídio e nas crises de ansiedade. Hoje todo mundo pertence a um grupo de mensagem. Ter alguém com quem conversar, mesmo que seja bobagem, faz toda a diferença. O problema não é ser solitário. E estar incomunicável.

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