Não ficou 24 horas nas manchetes dos jornais e noticiários a polêmica decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de manter no cargo, em nome da governabilidade, o ministro das Comunicações Juscelino Filho, que é acusado de usar um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para ir a um leilão de cavalos em São Paulo – há matéria na internet. A decisão de Lula foi tomada no final da tarde de segunda-feira (6/03) e imediatamente foi atacada pelos jornalistas, ganhando espaços nobres nos noticiários. Na manhã seguinte, ela começou a perder o lugar para o resultado da evolução das investigações a respeito do escândalo das joias presenteadas, em 2021, pelo governo da Arábia Saudita ao então presidente Jair Bolsonaro (PL) e à primeira-dama Michelle Bolsonaro. No início do mês, sexta-feira (3/03), o jornal Estadão deu um furo nacional contando toda essa história. Em outubro de 2021, Bento Albuquerque, ministro das Minas e Energia, foi em uma missão à Arábia Saudita. Voltou ao Brasil com dois pacotes de joias de presente, um para Michelle (valor de R$ 16,5 milhões), e outro para Bolsonaro (valor não foi avaliado). O da primeira-dama foi pego pelos fiscais da Receita Federal no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP). E o do presidente passou sem ser descoberto.
Essa história das joias parece uma novela. Cada dia há um episódio mais emocionante do que o outro. Há vídeos, textos, fotos e documentos publicados nos jornais e em todas as outras plataformas de comunicação à disposição dos colegas jornalistas e dos leitores. A última novidade é que um ano depois do pacote do presidente entrar ilegalmente no país ele foi entregue a Bolsonaro, como comprovam documentos. Ele diz que não recebeu. Não vou entrar nos detalhes desse caso, porque as novidades aparecem a toda hora. Vou usá-lo para conversar com os colegas e leitores sobre o fato de Bolsonaro ter terminado o seu governo há dois meses e algumas semanas e continuar pautando a imprensa nacional e a de muitos países. Não fiz as contas e não lembro de ter lido em qualquer parte o que vou dizer. Mas não é exagero falar que o ex-presidente ocupa na imprensa espaço igual ou superior ao do atual presidente Lula. Eu me perfilo entre os jornalistas que acreditam que Lula e seus aliados precisam focar o seu trabalho no dia a dia do governo e deixar os rolos do ex-presidente para serem tratados pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino. Inclusive, em novembro do ano passado (15/11), publiquei o post Esqueletos nos armários vão contar a história do governo Bolsonaro. Mas o que a realidade está mostrando é que por mais importante que seja o assunto tratado por Lula, ele não tem como competir por espaço nos noticiários com os escândalos do ex-presidente. Por exemplo: o caso das joias sauditas. Não tem como não colocar um caso desse quilate nas manchetes.
O caso das joias substituiu nas manchetes a história dos índios yanomami, outro assunto que não tem como deixar fora da primeira página. Com o desmanche da fiscalização de órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o governo Bolsonaro facilitou a entrada ilegal dos garimpeiros nas áreas indígenas, em especial na terra yanomami, uma extensa área de 92 milhões de hectares em Roraima, na fronteira com a Venezuela. A imprensa já vinha noticiando a invasão da área yanomami. Mas o que se descobriu no início do ano deixou todo mundo perplexo: homens, mulheres e crianças reduzidos a pele e ossos pela fome trazida pelo garimpo ilegal em suas terras. As imagens dos índios esqueléticos percorreu o mundo e foi notícia de capa nos mais importantes jornais e noticiários em vários países. Poderia ficar escrevendo dias e dias sobre os escândalos provocados pela administração do país pelo ex-presidente e o seu círculo íntimo de líderes. O estoque de escândalos assegura a presença de Bolsonaro nas manchetes ainda por um bom tempo. Aqui gostaria de refletir com os meus colegas repórteres, em especial os jovens nas redações fazendo o noticiário do dia a dia, e os leitores. Uma coisa foram os rolos que o então presidente Bolsonaro se envolveu, como o seu negacionismo em relação ao poder de contágio e letalidade da Covid, durante a pandemia que causou a morte de mais de 700 mil brasileiros, como foi apontado pelo relatório de 1,3 mil páginas da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19 (CPI da Covid). Não deram em nada para ele as acusações por vários motivos, sendo que o principal era o foro privilegiado que o seu cargo garantia. O que significa que só os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) podiam julgá-lo. Agora a história é outra, Bolsonaro perdeu as eleições para Lula e não tem mais foro privilegiado. Isso significa que as broncas dele vão ser julgadas na primeira instância da Justiça Federal. Onde as coisas andam mais rápidas.
Para arrematar a nossa conversa. Chama a atenção na apuração dos escândalos do governo Bolsonaro a facilidade com que os investigadores encontram documentos legais que são provas contra o ex-governante e seus aliados. Em parte, essa facilidade vem do fato de que o ex-presidente encheu os postos de coordenação da administração federal com militares da ativa, reserva e reformados, empurrando para as sombras os funcionários de carreira. A maioria desses funcionários são pessoas de alto nível profissional. Eles sabem onde foram deixadas as provas dos crimes cometidos. Por último, é o seguinte. O que está acontecendo hoje na cobertura jornalística do dia a dia do governo Lula e dos escândalos de Bolsonaro é que ela está se dividindo. As articulações políticas do governo federal para pavimentar o caminho da governabilidade estão sendo tratadas pelos comentaristas políticos. Os rolos do ex-presidente são tratados como caso de polícia. Aqui é o seguinte. A ausência nas redações dos repórteres policiais, como eram chamados os jornalistas que faziam a cobertura dos assuntos relacionados à área de segurança pública, pode ser notada na cobertura de assuntos como o das joias e dos garimpos. A reportagem policial sempre tem mais leitores do que a política. Mas quando se consegue juntar o repórter policial com o de política e colocar o material na mão de um bom editor, o resultado é uma bela matéria, com alto índice de leitura.