Por que as operações, que começaram em julho, da tropa combinada – formada pelas Forças Armadas e policiais – têm sido um fracasso contra as quadrilhas que ocupam as favelas do Rio de Janeiro? E por que as operações que aconteceram em 2008 e nos anos seguintes foram um sucesso e se tornaram um exemplo citado nos quatro cantos do mundo?
A resposta é simples. Os bandidos aprenderam com as lições deixadas pela derrota de 2008, e as tropas combinadas não aprenderam os ensinamentos trazidos pela vitória. Como repórteres, é nossa obrigação explicarmos aos nossos leitores os motivos pelos quais isso está acontecendo, especialmente aos cariocas que estão no meio do fogo cruzado entre as tropas e as bem armadas e articuladas quadrilhas, que são braços das duas maiores facções criminosas da América do Sul, o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital, de São Paulo, que tem interesses nas favelas cariocas. E das milícias que são formadas por policiais militares bandidos. Aqui, eu chamo a atenção dos repórteres novatos. Para entender a situação, não dependemos de ter acesso a documentos inéditos ou a fontes altamente qualificadas. Basta colocar lado a lado as informações disponíveis e botar a cabeça a funcionar.
Aos fatos. O que aconteceu antes da ação das tropas combinadas nas favelas cariocas em 2008? O Brasil tinha sido escolhido como sede da Copa do Mundo de 2014. E também estava fazendo um trabalho forte para ser sede das Olimpíadas, em 2016. Dois grandes eventos que, se bem realizados, resultariam em prestígio para o país. De ponta a ponta e de lado a lado do território nacional, a população foi convencida que, se tudo saísse bem, significaria mais compradores para os produtos brasileiros no mundo – aviões, carnes, soja, minerais, máquinas agrícolas, caminhões, petróleo e o aumento do fluxo de turistas no país. A soma de tudo isso significaria mais empregos.
Para atingir esse objetivo, era fundamental remover a violência do cartão-postal do Brasil: Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa. E, para a operação ter sucesso, era necessário convencer o morador das favelas que, dessa vez, seria diferente. Até então, estavam acostumados a operações de ocupação esporádicas das forças policiais. Depois que os policiais saíam, os quadrilheiros e o milicianos voltavam, e acontecia o acerto de contas com os moradores que haviam colaborado com as autoridades – o filme “Tropa de Elite” mostra, com bastante fidelidade, esse quadro. Os moradores das favelas foram convencidos que, desta vez, tudo seria diferente. E, graças a isso, informações importantes da logística das quadrilhas foram parar nas mãos dos serviços de inteligência das tropas combinadas.
Com as informações, os serviços de inteligência deram o caminho das pedras para as tropas combinadas, que conseguiram desarticular o sistema de abastecimento de drogas e armas das quadrilhas e das milícias – que era formado por vários grupos de criminosos ao longo do percurso entre o Rio de Janeiro e as fronteiras do Brasil, especialmente a do Paraguai. E, com a instalação de 38 Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), a paz se consolidou nas favelas e, com ela, houve um boom nos negócios, e hospedar-se nos casebres dos morros cariocas tornou-se cult para turistas vindos de vários cantos do mundo.
Para sobreviver, os quadrilheiros se refugiaram nos países vizinhos, principalmente no Paraguai. Há dois anos, a decadência econômica e política do Rio de Janeiro começou a detonar as UPPs. A crise carioca, somada à nacional, pavimentou a estrada para a volta das quadrilhas e milícias para as favelas. E, por conta do desemprego – que soma 14 milhões no país –, os bandidos se tornaram os principais empregadores nas favelas. Uma das lições que os quadrilheiros aprenderam foi que precisavam verticalizar a sua ação – significa ter o domínio da produção (lojas de armas, plantações de maconha e atacadistas de cocaína), do transporte e da distribuição. Também eliminaram uma prática antiga de terem a droga, as armas e a munição estocados em um depósito único. Agora, cada grupo é responsável pela sua logística – essa prática de células é usada pelos terroristas.
Em julho de 2017, ao voltar para as favelas cariocas, as tropas combinadas encontraram um bandido com o perfil diferente do que existia em 2008. Agora, ele é o principal empregador da comunidade, tem um sistema de abastecimento capaz de sobreviver às investidas da polícia e usa atos de extrema violência – execução de agentes penitenciários e policiais – para mostrar à população quem é que manda, estilo do Estado Islâmico. Os resultados das apreensões de drogas e armas feitas pelas autoridades mostram que os serviços de inteligência estão agindo com informes de baixa qualidade. A presença maciça das tropas combinadas foi respondida pelos quadrilheiros com ações ao estilo guerrilha – sabotagens e esporádicos enfrentamentos à bala.
Tem mais uma fato importante. As tropas combinadas enfrentam um sério problema. A falta de recursos econômicos do governo federal atingiu as Forças Armadas, a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF), que são responsáveis pela segurança das fronteiras. Em 40 anos na profissão de repórter, eu conheço profundamente as fronteiras brasileiras – tenho vários livros publicados, entre eles “País Bandido”. Nos últimos dois anos, as delegacias da PF foram sucateadas, principalmente na fronteira com o Paraguai. Os serviços de inteligência das Forças Armadas estão operando com restrição de verbas. Na semana passada, eu tive três longas conversas com pessoas dos serviço de inteligência que trabalham nas fronteiras e estavam de passagem pela Região Metropolitana de Porto Alegre. Um deles, assim definiu a situação:
– A operação no Rio de Janeiro é coisa para inglês ver.
A expressão usada pelo agente é antiga. Ela nasceu em 1831, quando o governo brasileiro foi pressionado pelo governo inglês para acabar com a escravidão. Então, fez uma lei que não foi cumprida. Mas ela existia para os ingleses. As operações no Rio de Janeiro ocupam espaço nos jornais e nas redes sociais – principalmente as imagens. Já os resultados são escassos. Aqui, cabe um comentário. Descontando a crise política e econômica. Se o dinheiro que está sendo gasto com as operações fosse usado para revitalizar e fortalecer a ação das UPPs, não traria melhores resultados? Fica a pergunta de um velho repórter.