O que liga o ataque ao Banco Central do Brasil em Fortaleza (CE), em 2005, aos dos bancos de Criciúma (SC), em 2020, e aos de Araçatuba (SP), no final de agosto? A evolução na maneira de operar do crime organizado. Os bandos estão aperfeiçoando as suas técnicas de coleta de informações sobre os alvos e a maneira de imobilizar a ação da polícia e de estruturar a quadrilha. Na contramão da evolução do crime organizado, vem se esfacelando o sistema de troca de informações implantado entre as polícias e os serviços de inteligência das Forças Armadas por ocasião da realização da Copa do Mundo (2014) e das Olimpíadas do Rio (2016). A Polícia Federal (PF), que tem gente e equipamentos para organizar a troca de informações com as outras polícias, tem dedicado o melhor da sua estrutura para outros assuntos, como a Operação Lava Jato (2014 a 2021), e atualmente para agradar o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido). O marco zero na evolução das quadrilhas brasileiras foi em uma cidadezinha paraguaia chamada Capitán Bado, separada por uma rua do município de Coronel Sapucaia, no oeste do Mato Grosso do Sul. Vamos à história.
No final da década de 90, o então todo-poderoso chefe do tráfico de drogas na região, o brasileiro João Morel, deu abrigo ao foragido carioca Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, um dos criadores do Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro. Beira-Mar conseguiu montar na região um esquema que contrabandeava armas do Uruguai e medicamentos do Brasil, e os trocava por drogas com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que protegiam os cartéis de cocaína colombianos. Até então não se tinha conhecimento da existência de uma linha direta entre os traficantes brasileiros com os cartéis da Colômbia. Beira-Mar estabeleceu essa linha direta e transformou o Paraguai em um entreposto de cocaína para o Brasil. Não foi por outro motivo que logo se estabeleceu no território paraguaio o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, de Marcos Willians Hermes Camacho, o Marcola. As Farc foram extintas em 2016 e seu espólio passou a ser disputado a bala pelo CV e pelo PCC associados a bandos paraguaios e outras facções brasileiras que se estabeleceram na região.
Nos dias atuais, o CV e o PCC e seus aliados paraguaios e brasileiros estão investindo em transformar o Brasil em um corredor de drogas para os grandes mercados dos Estados Unidos e da Europa. Assim como é o México, onde cartéis de distribuição da cocaína colombiana disputam as rotas para abastecerem os varejistas americanos. É aqui que entram os ataques a bancos no Brasil. Antes de seguir com a história. Meus colegas repórteres e leitores, o que estou falando não é opinião, são fatos que publicamos. Um dos focos na minha carreira é o crime organizado nas fronteiras, principalmente no Paraguai, sobre o qual escrevi reportagens e livros. Dito isso, voltemos à história. As facções criminosas brasileiras, em especial o PCC, estabelecidas no Paraguai estão investindo para tornar o Brasil um corredor de drogas para abastecer os mercados americanos e europeus. É uma operação que custa muito dinheiro. Há indícios nas investigações policiais da ligação do PCC com os casos do Banco Central do Brasil de Fortaleza e os casos de Criciúma e Araçatuba. Numa leitura em tudo que publicamos sobre esses três grandes roubos saltam aos olhos os avanços tecnológicos usados pelos bandidos, como foi o caso das armadilhas explosivas espalhadas por Araçatuba – há matérias na internet. E o minucioso levantamento feito pelos quadrilheiros da movimentação da força policial no caso de Criciúma. E o que considero a evolução mais importante na organização desses assaltos: os bandos que participação dos ataques são montados em grupos com a missão de executar uma parte do plano sem ter o conhecimento de toda a história. Esse tipo de estratégia vem sendo aperfeiçoada desde a Segunda Guerra Mundial (1938 a 1945) com objetivo de proteger as informações e a cúpula da organização. Tanto no caso de Fortaleza, Criciúma e Araçatuba pessoas foram presas. E pelo que se publicou e que as investigações policiais descobriram são fragmentos de uma operação.
Por tudo que li, vi e escutei sobre o caso de Araçatuba houve uma evolução tecnológica na maneira de agir dos bandidos durante o ataque aos três bancos (Safra, Brasil e Caixa Federal) em relação a Criciúma. Destaco três fatores: usaram drones, armadilhas explosivas e se preocuparam em eliminar a pessoa que pudesse fazer transmissão ao vivo da ação deles. Como foi o caso do comerciante Renato Bortolucci, que foi morto enquanto fazia um vídeo da ação. Ele não foi morto ao acaso. O bandido mirou nele e atirou. O estilo que o bando usou foi o Novo Cangaço, usando reféns, espalhando terror e demonstrando crueldade para desencorajar qualquer reação. Mas a tecnologia que usaram foi da era digital. Lembro o seguinte: o mercado internacional de drogas em que o PCC e outras organizações criminosas brasileiras estão investindo tem à sua disposição o que existe de ponta em termos de equipamentos (armas, computadores etc.) e tecnologia de combate. As polícias mais bem equipadas e organizadas no mundo, como a dos Estados Unidos e da União Europeia, “levam um baile” dos cartéis de droga.
Uma explicação, que julgo necessária: existem dois tipos de cartéis de droga no mundo, os de produtores e os de distribuidores. Portanto, não existe demérito no “chocolate” que as polícias do Brasil levam das organizações criminosas envolvidas com o tráfico internacional. O que é demérito para as cúpulas das organizações policiais brasileiras, em especial a PF, é o envolvimento delas com as lambanças do governo Bolsonaro. Os governos passam. As polícias ficam, por serem uma instituição do Estado. Se as organizações criminosas brasileiras que estão baseadas no Paraguai conseguirem transformar o Brasil em um corredor de drogas para os grandes mercados, em questão de tempo vão se consolidar por aqui os cartéis de distribuição de cocaína, como aconteceu no México. O que aconteceu em Araçatuba, uma cidade de quase 200 mil habitantes, merece ser esmiuçado e estudado pelos professores das academias de formação de policiais. Ali, além do comerciante Bortolucci, morreram o professor de educação física Márcio Victor e o bandido Jorge Carlos de Mello, do PCC, e houve dezenas de feridos, entre eles um menino que perdeu os pés em uma das armadilhas deixadas pelos ladrões na cidade. Os bandidos abandonaram na cidade 98 quilos de explosivos. Suficientes para mandar para os ares alguns prédios .