Como o capitão da reserva do Exército Jair Bolsonaro (PSL – RJ) foi eleito presidente do Brasil é assunto para os historiadores escarafuncharem. Agora, qual será o destino das Forças Armadas é um assunto para os repórteres esclarecerem. Nem o próprio presidente eleito tem clareza sobre o que irá acontecer, porque depende de muitos fatores, a maioria deles políticos. A história nos ensina que uma coisa é ser militar da reserva, como é o caso de Bolsonaro e dos generais que o rodeiam. Outra coisa é ser um militar da ativa que tem sob o seu comando homens armados e equipamentos de guerra. Como foi o caso do golpe de 1964, quando as Forças Armadas, aliadas com civis e os Estados Unidos, derrubaram o governo eleito do então presidente da República João Goulart, o Jango do antigo PTB gaúcho, e ficaram no poder até 1985. No caso atual, os militares da reserva chegaram ao poder pelo voto, em uma eleição legal. Mas isso não inclui transformar as Forças Armadas no 36º partido político do Brasil. Logo depois da confirmação da eleição de Bolsonaro, eu recebi um recado de um velho amigo militar da reserva: “viu desta vez que chegamos ao poder sem disparar um tiro nem colocar os tanques na rua kkkk”. Claro, foi uma brincadeira entre amigos, e nada mais.
É a primeira vez na história moderna do Brasil em que um militar da reserva chega ao poder. E a memória sobre o golpe militar de 1964 é muito recente, e há muitos assuntos pendentes que aconteceram naquele período que ainda não foram explicados, como as torturas de presos políticos. Portanto, é fundamental que nós, repórteres, expliquemos aos nossos leitores com exatidão qual é o papel das Forças Armadas no atual governo. Lembro o seguinte: as obrigações dos militares são descritas pela Constituição. Ainda na campanha, o filho do presidente da República eleito, o deputado federal carioca Eduardo Bolsonaro, afirmou, em vídeo que circulou pelas redes socais e na imprensa, que, para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF) “basta um soldado e um cabo”. O vídeo é verídico, todos concordaram. E a explicação da história ficou o “dito pelo não dito”, como se diz das coisas mal esclarecidas nas redações. Mas, de tudo isso, ficou um detalhe no ar que preocupa: a maneira como Eduardo Bolsonaro falou dá a impressão de que ele acredita que o grupo político do seu pai e as Forças Armadas são a mesma coisa. Mas não são. Mesmo o presidente da República precisa preencher uma série de requisitos para usar as tropas, com estabelecem as leis.
A vida na caserna – dentro do quartel – é uma coisa. A vida no parlamento é outra coisa. O presidente eleito sabe disso, porque viveu as duas. Mas a maioria de nossos leitores não sabe, e temos que explicar para ele como isso funciona, porque será essencial para que entendam algumas coisas que vão ser ditas pelo grupo político do presidente eleito. Então, quando um dos generais da reserva de Bolsonaro estiver falando, ele não fala como um militar. Mas como um civil aposentado. Ele não tem poder de entrar em um quartel e pegar um grupo de combate para resolver um problema do cotidiano. Para fazer isso, é necessário preencher uma série de requisitos. Agora isso não o impede de que ele fale como “se pudesse fazer”. Daí a importância de mostrar aos nossos leitores exatamente como são as coisas. Aqui lembro o seguinte: há entre os militares um tabu que é ir para a reserva, porque significa que não tem mais condições físicas de exercer a sua função de defender as fronteiras do país com arma na mão. Agora isso não o impede de exercer uma atividade civil e até ser presidente da República.
Sou um velho repórter estradeiro, que já viu coisas que até Deus duvida que existam. Mas elas existem e documentei em minhas reportagens. Vivi em redação durante trinta e poucos anos dos meu 40 e tantos na reportagem. E, com base nisso, digo que é fundamental se esclarecer a história de ser militar da reserva, o uso pelo presidente da República das Forças Armadas e outros assuntos pertinentes para evitar que sejam publicadas bobagens e que elas se tornem verdades com o tempo. Já vi isso acontecer, e essas coisas depõem contra a nossa credibilidade. Daí a necessidade de se dar nomes aos bois, como era descrita a necessidade de esclarecer uma situação nos tempos das antigas e barulhentas máquinas de escrever nas redações. O barulho das máquinas de escrever foram substituído pelo silêncio dos terminais de computadores. Mas o conteúdo das notícias permanece o mesmo: explicar as coisas direito para o leitor.