Logo depois da aprovação em segundo turno pelo Senado da Nova Previdência Social um repórter fez uma pergunta a Paulo Guedes, ministro da Economia, cuja resposta ficou perdida no meio da matéria. O repórter indagou se as polêmicas causadas pelas falas do presidente da República Jair Bolsonaro (PSL-RJ) eram planejadas de modo a desviar a atenção do trabalho da equipe econômica, que lida com temas controversos e antipáticos para a maioria da população. Guedes respondeu que não. E não mentiu. É impossível que tenha sido planejado tamanho volume de polêmicas, nacionais e internacionais, como o gerado nos últimos 10 meses pelo presidente e seus três filhos: Carlos, vereador do Rio de Janeiro pelo PSC, Eduardo, deputado federal (PSL-SP), e Flávio, senador (PSL-RJ). Entre as mais recentes estão a ofensa de Bolsonaro a seu colega eleito da Argentina, Alberto Fernández, e a provocada por Eduardo, que pregou a volta do Ato Institucional número 5 (AI-5), instrumento usado durante o Regime Militar (1964 a 1985) para cassar parlamentares, censurar a imprensa, prender e torturar opositores.
Portanto, os grandes espaços ocupados nos conteúdos dos noticiários de sites, jornais impressos, rádios e TVs se devem à soma das polêmicas envolvendo o presidente e seus filhos e a pregação que vem sendo feita nos últimos 30 anos por Bolsonaro dos valores dos militares que deram o golpe em 1964. A defesa desses valores, que incluem a tortura de presos políticos, amedrontam e ofendem os brasileiros, principalmente aqueles que viveram esse período da história. Sem esses assuntos, o presidente da República ficaria o dia inteiro tomando cafezinho. Ele se deu conta disso logo no início do governo. Em 27 de abril publiquei o post: O presidente Bolsonaro virou Rainha da Inglaterra? Dias depois ele deixou escapar em uma entrevista que não era a rainha da Inglaterra. De lá para cá, o seu governo é uma montanha-russa: há dias com uma polêmica pela manhã, outra ao meio-dia e mais uma à noite.
Acrescentem-se os ataques à imprensa. E aqui chegamos ao ponto importante que gostaria de refletir com os meus colegas das redações, principalmente os jovens que ganham pouco e têm uma baita carga de trabalho. A não ser que Bolsonaro e os militares que o cercam consigam articular um golpe, assim que ele sair do governo, mesmo que seja reeleito, levará consigo as polêmicas e a pregação aos militares de 64. Bolsonaro é o bode na sala – o criador de confusão que, quando sai de cena, leva junto as broncas.
O ministro Guedes é outra história. O que ele está fazendo vai influenciar a vida dos brasileiros pelos próximos 50 anos. Guedes viu no então candidato Bolsonaro uma espécie de cavalo de Troia para chegar ao poder e fazer as reformas necessárias para facilitar a vida do capital estrangeiro no Brasil. Com habilidade, ele conseguiu fazer uma aliança com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que resultou na aprovação da Nova Previdência Social, uma das mais profundas mudanças feitas nos últimos anos. Durante a semana, foi anunciado um pacote de reformas que, entre outros pontos, vai mexer nas carreiras dos funcionários públicos federais e pretende extinguir mais de mil pequenos municípios – há matéria na internet. Imagine propor a extinção de municípios em ano de eleição municipal. Não é pouca coisa. Como se diz no jargão das redações: Guedes é o perigoso – nome que os repórteres davam ao articulador.
Também foi ideia do ministro da Economia convidar Sergio Moro para ocupar a pasta da Justiça e Segurança Pública. Moro representava o símbolo do combate à corrupção, foi juiz da 13ª Vara Federal, em Curitiba (PR), onde funciona o coração da Operação Lava Jato – e onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP) foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. A sentença foi confirmada em segunda instância: Lula foi preso. Até então era líder nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República. Com sua prisão, venceu as eleições o seu maior adversário, o hoje presidente Bolsonaro. Na ocasião, Guedes falou que Moro foi para o governo como um símbolo da luta contra a corrupção e uma segurança de que o grupo político de Bolsonaro respeitaria a Constituição. Denúncias feitas pelo site The Intercept Brasil sobre ilegalidades cometidas na 13ª Vara Federal desgastaram Moro. Bolsonaro o amparou na pior hora da vida do agora ministro. Dos seus tempos áureos de fama, o ex-juiz conserva os seus contatos na Justiça Federal. Contatos importantes para a família Bolsonaro. Moro é hoje o homem das sombras do governo – jargão das redações para designar o personagem que age nos bastidores.
Tudo que escrevi não é opinião: são fatos que coletei nos noticiários diários e nas análises de comentaristas políticos e econômicos. Estou na profissão de repórter há uns 40 anos e foquei a minha carreira na cobertura de conflitos. Durante os 30 e poucos anos que estive em redação de jornal sempre corri pelas estradas em busca de uma boa história para contar. Deixei a redação em 2014 e, desde então, me dedico a ler, ouvir e ver tudo o que se publica. E ainda manter conversas sigilosas com fontes. No fim de semana passado (3/11), o ministro da Economia deu uma entrevista de duas páginas para a Folha de S. Paulo. Não falou novidades. A parte mais interessante é quando reafirma a sua convicção nas reformas econômicas feitas no Chile pela ditadura militar. Manifestações populares volumosas e violentas têm sido feitas pelos chilenos contra essas reformas. Como a história do governo Bolsonaro vai acabar ninguém sabe. Uma das possibilidades é a aprovação das reformas. Se acontecer, vão tirar o bode da sala?
Excelente análise. Paulo Guedes é perigoso, os interesses dele não coincidem com os da maioria da população, que deverá pagar pelos ajustes propostos. Na verdade, a virada aconteceu já durante os 3 anos de Presidência Temer, com a Ponta para o Futuro, que ganhou uma versão turbinada no governo atual.
Não sei quanto do pacote que ele lançou vai passar no Congresso, ainda mais em ano eleitoral, mas o simples fato de colocar em cima da mesa algumas das propostas mostra a força que ele tem.
Quanto a saber se essas reformas, tanto a da Previdência quanto as novas propostas, serão capazes de tirar a economia do atoleiro, o futuro nos dirá. Pessoalmente não acredito que num país que mal saiu da recessão, com um contingente enorme desempregado ou subempregado, medidas de corte de gastos atingindo majoritariamente as parcelas mais vulneráveis da população terão o condão de fazer o Brasil retomar o crescimento. Quem sabe a fada da confiança, tão frequentemente invocada pelas autoridades econômicas e financeiras, apareça com sua varinha mágica…
Eu concordo contigo. Eu estou insistindo com os meus colegas repórteres: nós precisamos dedicar mais tempo para entender como o governo Bolsonaro funciona. Os modelos clássicos de administração que usamos não funcionam com a turma dele.Abraços.