O presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido, RJ), pode parecer. Mas não é um suicida político, como fez parecer o seu pronunciamento da noite de terça-feira (24/03) contrário à política de distanciamento social (ficar em casa) colocada em prática por governadores e prefeitos para evitar que o coronavírus se espalhe pelo país. Muito menos por ter classificado de “gripezinha” a pandemia causada pelo vírus, que até esta quarta-feira já havia infectado quase meio milhão de pessoas e matado mais de 19 mil ao redor do mundo, sendo 57 no Brasil. Bolsonaro foi à guerra contra o coronavírus pelas manchetes dos jornais. E conseguiu. Não só no Brasil. Mas em vários cantos do mundo. Não interessa o que escreveram, mas o nome dele está lá. Ele sempre fez isso durante as três décadas em que foi parlamentar. Lembro os colegas: ele foi um deputado federal do Rio de Janeiro, pertencente ao baixo clero da Câmara, que conseguiu chegar a presidente da República. Graças à máquina de distorcer a verdade montada pelos seus filhos, seguindo o modelo que elegeu o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
A estrutura política que sustenta o presidente Bolsonaro no poder só funciona em um ambiente de confronto. A união dos brasileiros, incluindo a Câmara, o Senado e o Judiciário na luta contra o coronavírus criou um ambiente insalubre para a sobrevivência do grupo político do presidente. Alguma coisa precisava ser feita. Na semana passada, um dos seus filhos, Eduardo, deputado federal por São Paulo, criou uma enorme crise ofendendo a China, onde começou a epidemia do vírus – há matéria na internet. A China nada mais é do que o principal cliente do agronegócio (soja) e dos pequenos e médios produtores familiares ligados às agroindústrias de carnes de frango e suína. O pronunciamento do presidente da noite de terça disparou chumbo grosso contra os governadores, prefeitos, a grande imprensa e, por tabela, no seu próprio ministro da Saúde, o médico Luiz Henrique Mandetta. Bolsonaro foi Bolsonaro. Agiu com um pé dentro da lei e outro na ilegalidade, uma estratégia que também é usada por Trump – há vários trabalhos científicos disponíveis sobre o assunto. Se der alguma coisa errada, tipo a reação colocar em risco o cargo dele de presidente, a estratégia será desmentir tudo e se organizar para o próximo confronto. Nesse confronto há três novidades. Aos fatos.
A primeira grande novidade. Não é uma disputa ideológica. Trata-se de um problema de saúde pública: o avanço do coronavírus é real e até agora não se descobriu um remédio contra ele. O segundo motivo: por conta do perigo que a doença representa, a grande imprensa brasileira conseguiu se tornar relevante para o seu leitor e desfruta de uma credibilidade que há muito tempo tinha perdido, por vários fatores. Já as redes sociais, o principal pilar da comunicação de Bolsonaro, enfrentam problemas sérios de credibilidade. E, por último, o que considero importante para o futuro político da família Bolsonaro: o rompimento político do governador de Goiás (GO), Ronaldo Caiado, com o presidente da República. Caiado é médico, produtor rural e um político importante na sustentação de Bolsonaro por sua ligação com o agronegócio. Seu prestígio vem do fato de ter sido presidente da União Democrática Ruralista (UDR), entre 1986 e 1989. A UDR foi fundada em 1980, pela Frente Parlamentar da Agropecuária, para fazer lobby pelos grandes produtores rurais na Constituinte que escreveu a Constituição de 1988. Caiado foi o primeiro a se posicionar contra as esquerdas que lutavam pela reforma agrária, principalmente os militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Por ter como um dos focos da minha carreira de repórter a cobertura de conflitos agrários, eu entrevistei Caiado várias vezes quando era presidente da UDR. Portanto, não me surpreendi com o rompimento dele com Bolsonaro. Oficialmente, o motivo foi o pronunciamento feito na terça, que, em sua opinião, foi uma ofensa à ciência médica. O pronunciamento foi a gota d´água. Mas, na verdade, o rompimento foi um somatório de “rolos”, principalmente coisas com a ofensa ao principal comprador do agronegócio brasileiro, a China.
Nesta quarta-feira (25/03), incluindo o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, a turma do “deixa disso” entrou em campo para convencer os brasileiros que o pronunciamento de Bolsonaro não foi o que a população ouviu. Isso já aconteceu antes. A novidade dessa vez é o rompimento de Caiado que vai influenciar no futuro político da família Bolsonaro. E também a revolta dos governadores, que ainda não têm um rumo definido. Como repórter, nós temos que manter o foco no interesse do nosso leitor. Um deles é sobreviver a tudo isso. A nossa relevância depende disso. É simples assim.