A reação dos países europeus às queimadas da Floresta Amazônica, com destaque para a do presidente francês, Emmanuel Macron, ao comportamento do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (PSL – RJ), lembra a do então rei da Espanha, Juan Carlos, durante a XVII Conferência Ibero-Americana, no Chile, em 2007. Na ocasião, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, fez várias interrupções durante a conversa do primeiro-ministro da Espanha José Luis Rodrigues Zapatero. Irritado, o rei Juan Carlos gritou para Chávez: “Por qué no te callas?” Chávez faleceu em 2013, ele era socialista. Bolsonaro é de direita. Mas há duas coisas em comum a eles: foram militares de carreira, e os dois não têm “freio na língua”. A expressão do rei virou um dito popular para se referir a dirigentes da América do Sul que falam o que bem entendem.
No caso das queimadas na Floresta da Amazônia, os chefes dos países europeus se incomodaram com o fato de que, enquanto as chamas devoravam centenas de hectares de matas, Bolsonaro e o seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, gastavam o seu tempo acusando as ONGs de serem responsáveis pelo incêndio e os países europeus de terem devastado o seu meio ambiente, e agora, de estarem se metendo nos negócios brasileiros.
O presidente francês, Emmanuel Macron, foi mais longe: chamou Bolsonaro de mentiroso. No fim de semana, Macron pautou na reunião do G7 – grupo dos países mais desenvolvidos e ricos do mundo – a questão da queimada da Floresta Amazônica – há vastas matérias disponíveis na internet. Enquanto isso, Bolsonaro fez uma postagem nas suas redes humilhando a mulher do presidente francês, Brigitte, por ser 24 anos mais velha do que Macron. A resposta do presidente da França foi manchete nos jornais ao redor do mundo – está na internet. As redações dos jornais do Brasil nunca viram tal coisa, um presidente da República ser chamado de mentiroso e de ele ser deselegante, para dizer o mínimo, com a esposa do presidente da França.
Até agora, ao redor do mundo, a legislação brasileira do meio ambiente e os mecanismos de vigilância – que nunca foram perfeitos – contra os agressores da Floresta Amazônica eram elogiados. Em oito meses de governo, Bolsonaro conseguiu derrubar tudo. Inclusive a imagem do país nos assuntos de meio ambiente, que foi construída nos últimos 30 e poucos anos com o trabalho de pioneiros, tipo o agrônomo gaúcho José Lutzenberger (falecido em 2002) e Francisco Alves Mendes, o Chico Mendes (assassinado em 1988, em Xapuri, pequena cidade no Acre). E centenas de outros que perderam seus empregos e suas vidas em lutas pelo meio ambiente. A minha geração de repórteres – tenho 68 anos e 40 e poucos de profissão – testemunhou e transformou em reportagens as lutas desse pessoal. Fiz muitas reportagens com Lutzenberger e sobre Chico Mendes. No início, eu lembro que escrever sobre ecologia certo que a tua matéria iria sair em um canto de página, por mais relevante que fosse o assunto. Com os anos, as coisas mudaram. Os grandes jornais passaram a ter repórteres especializados no assunto. E o interesse dos leitores cresceu enormemente.
Na minha opinião, nós temos que qualificar essa conversa sobre o que está acontecendo na Floresta Amazônica. E uma das maneiras de qualificá-la é lembrar que, ao redor de uma luta popular, surgiu um conceito internacional sobre a maneira como o Brasil trata as questões do meio ambiente. Graças a esse conceito que os produtos brasileiros – principalmente os de proteína animal e vegetal – têm bons mercados ao redor do mundo. Não é por outro motivo que, durante a sua campanha eleitoral (2018), Bolsonaro tinha como uma de suas promessas flexibilizar os controles de vigilância da Floresta Amazônica. Os controles foram flexibilizados. E deu no que deu. Em conversa por telefone com colegas repórteres de uma redação do interior do Brasil, eu lembrei que não podemos cair na armadilha de que existe uma disputa territorial entre europeus e brasileiros pela Amazônia. O que existe é a destruição de um patrimônio da humanidade. Já ajudaria que Bolsonaro seguisse a advertência do então rei da Espanha. É simples assim.