Os jornalistas aceitaram a “pilha” da família Bolsonaro. Para quem não é do ramo. No linguajar das redações dos tempos das máquinas de escrever e do ar saturado pela fumaça dos cigarros, “pilha” significava convencer alguém sobre uma ideia. Vamos à “pilha” dos Bolsonaro. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus três filhos parlamentares, Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal de São Paulo, venderam a ideia e as redações compraram de que a eleição de 2018 significou a volta das Forças Armadas ao poder pelo voto. Os militares ocuparam o poder de 1964 a 1985, quando fizeram uma aliança com parte da sociedade civil e os Estados Unidos. Governaram o país por 21 anos usando como ferramenta para se manter no poder a censura à imprensa, torturas e mortes de adversários políticos e tropas armadas nas ruas para reprimir as manifestações populares. Todo esse absurdo foi possível porque na época o mundo vivia mergulhado na Guerra Fria (1947 a 1991) travada entre os americanos, defensores do capitalismo, e os soviéticos, do comunismo. Esse período deixou profundas feridas na sociedade brasileira.
As feridas deixadas pela Ditadura Militar foram cutucadas e ressuscitadas pela família Bolsonaro. O primeiro passo que o presidente deu ao assumir foi começar a frequentar as cerimônias militares – passagem de comando de quartéis, formação de graduados e qualquer outro evento para o qual fosse convidado. Claro, a imprensa ia atrás para cobrir a presença do presidente. Lembro-me que, durante a ditadura militar, em qualquer cerimônia das Forças Armadas lá estava um batalhão de repórteres. Mais ainda: a imprensa ficava de olho nas promoções dos generais, porque um deles poderia ser o próximo presidente do Brasil. Quando comecei a trabalhar na redação, em 1979, os jornais tinham um repórter especializado em cobertura militar. Não para fazer reportagens sobre os assuntos militares. Mas para acompanhar as articulações entre os generais na disputa pela Presidência da República.
Passados 34 anos do final da ditadura, em 2019, quando Bolsonaro assumiu o governo, na cultura das redações ainda estavam vivas as lembranças daquele período. Aqui recordo o seguinte. A cultura da redação é formada por uma série de assuntos que vão passando de geração para geração de jornalistas. A eleição de Bolsonaro acendeu uma luz vermelha entre os jornalistas mais velhos. Não por ele ter sido tenente do Exército nos anos 80 e reformado como capitão depois de se envolver em episódios que lhe renderam punições, entre elas 15 dias de cadeia – há matéria na internet. Mas pelas suas posições públicas a favor dos torturadores de 1964 e também por ser defensor da volta dos militares ao poder. Logo nos primeiros meses de mandato, ele começou a colocar generais em cargos de primeiro escalão no governo federal e espalhou mais de 6 mil militares de diversas patentes pela máquina administrativa governamental. A tal ponto que hoje não se sabe onde acaba as Forças Armadas e começa o cabide de emprego para militares da ativa, reserva e reformados. Foi assim que generais voltaram a fazer parte dos nossos conteúdos jornalísticos nos dias atuais.
Não tem como, em cada notícia, explicar ao leitor que eles são os generais de Bolsonaro. E não das Forças Armadas. E que há uma diferença. Os generais de Bolsonaro não comandam tropas e o que falam é por eles ou pelo governo federal. Isso já foi explicado por oficiais de alta patente do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Mas para a população são as Forças Armadas que estão no governo. No início do mandato de Bolsonaro os jornalistas explicavam que os militares que estavam no governo estavam por sua conta é risco. Nos últimos meses deixaram de bater nessa tecla. Essa atitude foi reforçada em fevereiro passado, depois que ex-comandante do Exército general Villas Bôas revelou no seu livro Conversa com o Comandante que a cúpula das Forças Armadas havia participado na redação de um twitter que ele publicou em 2018 advertindo os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o perigo que significaria para as instituições a concessão de habeas corpus para o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP). Na época, Lula havia sido preso pelo então juiz Sergio Moro, da 13ª Federal em Curitiba (PR), no caso do triplex, em Guarujá (SP).
Na segunda-feira (08/03), o ministro do STF Edson Fachin anulou a condenação de Lula – há um vasto material disponível na internet. A anulação devolveu os direitos eleitorais a Lula, o que significa que ele pode ser candidato à Presidência da República em 2022. Imediatamente os jornalistas correram para saber o que os militares pensavam sobre o assunto. Muitas matérias e textos de comentaristas políticos estão recheados de “off” de oficiais. Para quem não é do ramo, “off” é quando o entrevistado fala com a condição de não revelar o seu nome, um direito garantido na Constituição. Os militares reformados são os mais radicais e defendem até uma intervenção no STF. Na quinta-feira (11/03), durante uma live, Bolsonaro lembrou que é o comandante das Forças Armadas e falou sobre o período militar. Aqui é o seguinte. O governo de Bolsonaro é uma tremenda confusão administrativa, econômica e uma tragédia sanitária. Estão morrendo quase 2 mil pessoas por dia no Brasil infectadas pela Covid-19. Os sistemas de saúde público e privado de 22 capitais estão colapsados. A vacinação, que é a grande solução para o problema, acontece a conta-gotas. Ao misturar o seu governo com as Forças Armadas, o presidente arrastou os militares para o desastre que é o seu governo. Tanto que o ministro da Saúde, o general da ativa do Exército Eduardo Pazuello, é apontado como sinônimo de incompetente. O que mais o presidente teme não é o impeachment – 60 pedidos engavetados na Câmara dos Deputados. Mas de ser acusado e julgado pelos tribunais internacionais como genocida por ter feito do seu negacionismo política do seu governo.
Ao contrário da “pilha” da família Bolsonaro, as eleições de 2018 não significaram a volta das Forças Armadas ao poder. Muito menos a possibilidade de um golpe militar. Mas a instalação de um governo que buscou os seus quadros políticos e técnicos entre os oficiais e graduados do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Esses militares estão trabalhando no governo não por ideologia. Mas por salários e prestígio. E a presença deles não significou um aumento da eficiência da máquina administrativa federal. Pelo contrário. Basta ver o caso do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em que há filas quilométricas nos processos de aposentadorias e perícias médicas. A única coisa que funciona com eficiência no governo é a máquina de fake news operada pelo Gabinete do Ódio, como é chamado um seleto grupo de pessoas ao redor do presidente. Bolsonaro fez do seu governo uma confusão tão grande que vai acabar sendo engolido por ela. Ou, como se dizia nas redações antigamente, acreditou na própria “pilha”. Inventou uma história fantasiosa e convenceu todo mundo que era verdade. Inclusive a si próprio. Esqueceu de combinar com a Covid-19.
http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/607308-a-esg-voltou-ao-poder
Abraços, Carlos Wagner.
Abração
Ok
Lembramos tbm da Mirella, que sumiu sem deixar rastros…. esses casos são uma facada no peito dos pelotenses…
Lembro do caso. Não podemos esquecer.