Bolsonaro transformou o Brasil em um reality show

Em 2016,o então presidente dos Estados Unidos Obana advertiu o Donald Trump um dos candidatos ao seu cargo: “reality show é uma coisa, administrar o país é outra”. Ninguém advertiu o Bolsonaro. Foto: Reprodução

Faz parte do jogo político os candidatos “darem uma ajeitada” nos seus currículos para se tornarem mais simpáticos aos olhos dos eleitores. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foi além. Somou a sua história pessoal episódios de ficção nos quais ele é o herói. E imaginou um Brasil habitado por pessoas com costumes e valores que foram trancafiados e relegados ao esquecimento por um bando de degenerados que governaram esse país até ele surgir como o grande salvador da moral e dos bons costumes. Quem não se enquadrar no mundo criado por ele é seu inimigo. O que escrevi não é opinião ou conversa de analista. É a soma de informações sobre fatos que publicamos nas nossas matérias e comentários políticos desde que o capitão reformado do Exército Bolsonaro, 65 anos, apostou em uma candidatura à Presidência na qual nem ele mesmo acreditava, e por uma série de coincidências acabou se elegendo o 38º presidente do Brasil.

Antes de começar a debulhar a história. O que estou propondo, neste texto, para os meus colegas repórteres, são macetes para evitar que pisem nas cascas de bananas soltas pelo governo Bolsonaro, que é formado por vários grupos políticos, como militares da reserva, ocultistas, terraplanistas, oportunistas profissionais e seguidores de Adolf Hitler, da Alemanha nazista, e Benito Mussolini, da Itália fascista. Merece destaque o grupo que faz parte do círculo íntimo do presidente, o Gabinete do Ódio, que tem na sua formação três dos filhos de Bolsonaro: Carlos, vereador no Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal de São Paulo. Mais o filósofo autodidata Olavo de Carvalho, que vive nos Estados Unidos e defende para os seus seguidores, entre eles o ministro da Educação Abraham Weintraub, que os responsáveis pelos males do mundo são a conspiração comunista e os chineses. O Brasil nunca teve um presidente da República apoiado e sustentado por essa mistura de grupos políticos. E qual o resultado disso?

Bem, vamos responder a essa pergunta voltando a debulhar a história que comecei a alinhavar na primeira linha do texto. Comecei dizendo que Bolsonaro de maneira exagerada adicionou ficção a sua história real. Hoje (18/6), o presidente está encurralado por dois inquéritos que estão sendo tocados pela Polícia Federal (PF), que prendeu militantes do bolsonarismo, entre eles Sara Giromini, que usa o nome de Sara Winter, uma fascista inglesa que foi espiã para os nazistas na Segunda Guerra Mundial. E quebrou o sigilo bancário de deputados, senadores e empresários ligados ao presidente. Os dois inquéritos são: o das fake news, que envolve o Gabinete do Ódio e está sendo tocado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e outro que foi pedido pelo Procurador-geral da República, Augusto Aras, sobre o Grupo dos 300, como são chamados o punhado de agitadores políticos liderados por Sara Winter, que esteve acampado em Brasília postando nas redes ameaças e desaforos contra os ministros do STF e que no último fim de semana (13/06) simularam um ataque ao prédio do Supremo atirando fogos de artifício – há matéria na internet. Por conta disso tudo, na quarta-feira (17/06), na saída do Palácio da Alvorada, o presidente falou com os seus apoiadores – há um vídeo no YouTube de 3min23seg disponível. Ele inicia a sua fala dando o título e o lide da matéria para os jornalistas. Nada nos atrai mais que um personagem que dá o título. Ele disse: “Eles estão abusando”. Daí segue nos oferecendo a abertura da reportagem: “Está chegando a hora de tudo ser colocado no seu devido lugar”. Falou isso se referindo às decisões do STF no andamento dos dois inquéritos.

Bolsonaro não diz como irá colocar as “coisas no lugar”. Mas lá no meio da conversa ele fala o seguinte: “Em 1970, eu já estava na luta armada e conheço tudo o que está acontecendo no Brasil. Você…”. Essa é uma das cascas de banana jogada no chão para nós pisarmos. Em 1970, o presidente tinha 15 anos e vivia com a sua família em Eldorado Paulista, no Vale do Ribeira, interior de São Paulo. Em 8 de maio de 1970, relata na página 23 do seu livro O Cadete e o Capitão – A vida de Jair Bolsonaro no quartel, o jornalista Luiz Maklouf Carvalho: “… Driblando as tropas do Exército, o capitão da revivida Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) chegou a Eldorado com meia dúzia de guerrilheiros e trocou tiros com seis policiais do destacamento local, ferindo três deles. Um dos militantes de Lamarca foi atingido”. Lamarca furou o cerco e fugiu, e só foi pego pelos militares um ano depois, na Bahia. Carvalho mostra, citando documentos e em entrevistas com pessoas, que a participação de Bolsonaro, se houve, foi a de um garoto de 15 anos que, como tantos na cidade, conhecia a região. A participação fantasiosa do presidente nesse episódio foi espalhada pelo livro Jair Messias Bolsonaro: mito ou verdade, uma obra do seu filho Flávio, que hoje é investigado por ter ficando com parte do salário dos funcionários do seu gabinete quando era deputado estadual do Rio. Hoje (18/06) foi preso em em Atibaia, interior de São Paulo, o policial militar aposentando Fabrício Queiroz que era chefe de gabinete Flávio na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. Queiroz vivia na casa do advogado Frederick Wasseg, que defende a família Bolsonaro em vários processos. Queiroz é acusado de ser organizador do sistema de ficar com parte do salário dos funcionários, que chamam de “rachadinha”. Queiroz faz parte da história real do presidente.

O macete aqui, para não sair repetindo e ajudando a consolidar a fusão da ficção aos fatos reais na vida do presidente, é o repórter fazer o tema de casa. E o tema de casa é a leitura de dois livros fundamentais para entender como funcionam as coisas entre as quatro paredes da família Bolsonaro. O primeiro é o já citado O Cadete, e o segundo é Tormenta – O governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos, da repórter Thaís Oyama. Ela faz um relato muito minucioso sobre o primeiro ano de governo do presidente. Cruzando as informações entre esses dois livros e mais outras publicações e documentos sobre o cotidiano da família Bolsonaro nos ajuda a entender e encontrar o fio que une as saídas do governo do então ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, e do seu substituto, o oncologista Nelson Teich. E também do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro – e vai por aí uma longa lista que inclui até a atriz Regina Duarte, a Viúva Porcina da novela Roque Santeiro.

Arrematando a nossa história. Ao contrário de outros governantes que usam para ficar no poder os resultados dos seus projetos econômicos e sociais para a comunidade, Bolsonaro aposta na consolidação da sua história pessoal enxertada de ficção, de que é um líder que vai derrubar as estruturas do nosso modo de vida para implantar um novo mundo. Faz isso tendo como pano de fundo uma crise sanitária provocada pelo coronavírus, que já matou mais de 40 mil pessoas e infectou quase 1 milhão no país. Essa mistura de crise política com crise sanitária faz parecer que o Brasil virou um reality show. A história ensina que para acontecer esse tipo de coisa é necessário contar com o despreparo do repórter para lidar com a situação. A maneira como as empresas de comunicação estruturaram as suas redações na atualidade determinou que mais de 80% dos conteúdos que circulam nos noticiários dos jornais (papel e sites), TVs (aberta e cabo), rádios e outras plataformas seja produzido pelos novatos, que antigamente eram chamados de “focas”. Além de gerarem os conteúdos dos noticiários, eles também fornecem informações que acabam recheando a conversa dos comentaristas políticos e econômicos. Portanto, é esse conhecimento gerado pelos focas que acaba consolidando as histórias na opinião pública. Daí a importância de nós, velhos repórteres, produzirmos conteúdos curtos, informativos e práticos que ajudem os jovens repórteres mal pagos e com uma carga de trabalho enorme a se desviarem das cascas de bananas jogadas no caminho da reportagem. Isso ajuda o jornalista jovem a sobreviver a essa fase da profissão que todos nós sabemos que não é fácil. Mas faz parte da vida do profissional, costumo dizer que é o nosso batismo de fogo. É como disse em 2016 o presidente dos Estados Unidos Barach Obama: “A presidência … não é um realidty show”. É simples assim.

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